Isso é Privatizações, mercado e livre iniciativa; dando um ar de legalidade ao sequestro dos bens do povo Brasileiro!



MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES

GABINETE DO MINISTRO

E.M. n.o 231 /MC

Brasília, 10 de dezembro de 1996
 
 
 

Excelentíssimo Senhor Presidente da República:

Tenho a honra de submeter à elevada consideração de Vossa Excelência o anexo Projeto de Lei, que versa sobre a nova organização dos serviços de telecomunicações, sobre a criação de um órgão regulador, e sobre outros aspectos institucionais desse setor, em atendimento à Emenda Constitucional n.o 8, de 15 de agosto de 1995.

Esse Projeto é resultado de intenso esforço desenvolvido pelo Ministério das Comunicações, que contou com o apoio de consultores nacionais e internacionais, obtido através de acordo de cooperação firmado entre o Governo Brasileiro, representado pela ABC - Agência Brasileira de Cooperação, do Ministério das Relações Exteriores, e a UIT - União Internacional de Telecomunicações, organismo especializado da Organização das Nações Unidas. O Projeto recebeu também contribuições valiosas de outros órgãos do Governo, que o aperfeiçoaram adequando-o às características peculiares da organização administrativa do País.

Esta Exposição de Motivos está estruturada em três partes. Na primeira delas é feita uma breve introdução ao assunto, a partir do contexto em que está inserido o setor de telecomunicações e da proposta de governo de Vossa Excelência, cuja primeira ação prática materializou-se na Emenda Constitucional n.o 8. Na segunda parte são apresentados os fundamentos da proposta ora formulada, abordando os aspectos essenciais da economia do setor, da estrutura de mercado pretendida e da estratégia de introdução da competição na prestação dos serviços. Na terceira parte, que trata especificamente do conteúdo do Projeto de Lei, são abordadas: as disposições principais da proposta de estruturação do Órgão Regulador previsto na Constituição Federal; a proposta para uma nova organização dos serviços e temas regulatórios dela decorrentes; e aspectos relacionados à reestruturação empresarial e à desestatização do Sistema TELEBRÁS.

I. O CONTEXTO BRASILEIRO

1. Breve histórico

No início da década de 1960, vigendo a Constituição de 1946, cabia à União, aos Estados e aos Municípios a exploração, de acordo com o seu âmbito, dos serviços de telecomunicações, diretamente ou mediante a correspondente outorga. Descentralizada da mesma forma era também a atribuição de fixar as tarifas correspondentes. Havia então cerca de 1.200 empresas telefônicas no País, a grande maioria de médio e pequeno porte, sem nenhuma coordenação entre si e sem compromisso com diretrizes comuns de desenvolvimento e de integração dos sistemas, o que representava grande obstáculo ao bom desempenho do setor.

Os serviços telefônicos concentravam-se na região centro-leste do País, onde se situavam mais de 60% dos terminais, explorados pela CTB - Companhia Telefônica Brasileira, de capital canadense. Os serviços telefônicos interurbanos eram precaríssimos, baseados apenas em algumas ligações em microondas de baixa capacidade, interligando o Rio de Janeiro, São Paulo, Campinas, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília, e em poucos circuitos de rádio na faixa de ondas curtas. As comunicações telefônicas e telegráficas internacionais, que também não atendiam às necessidades do País, eram exploradas por empresas estrangeiras.

A precariedade da situação do setor sensibilizou o Governo e o Congresso, que editaram então o Código Brasileiro de Telecomunicações - Lei n.o 4.117, de 27 de agosto de 1962. Essa lei, que foi o primeiro grande marco na história das telecomunicações no Brasil, tinha os seguintes pontos principais:

  • criação do Sistema Nacional de Telecomunicações, visando assegurar a prestação, de forma integrada, de todos os serviços de telecomunicações;
  • colocação, sob jurisdição da União, dos serviços de telégrafos, radiocomunicações e telefonia interestadual;
  • instituição do CONTEL - Conselho Nacional de Telecomunicações, tendo o DENTEL - Departamento Nacional de Telecomunicações como sua secretaria-executiva;
  • atribuição ao CONTEL de poder para aprovar as especificações das redes telefônicas, bem como o de estabelecer critérios para a fixação de tarifas em todo o território nacional;
  • atribuição à União da competência para explorar diretamente os troncos integrantes do Sistema Nacional de Telecomunicações;
  • autorização para o Poder Executivo constituir empresa pública para explorar industrialmente os troncos integrantes do Sistema Nacional de Telecomunicações (essa empresa viria a ser a EMBRATEL);
  • instituição do FNT - Fundo Nacional de Telecomunicações, constituído basicamente de recursos provenientes da aplicação de uma sobretarifa de até 30% sobre as tarifas dos serviços públicos de telecomunicações, destinado a financiar as atividades da EMBRATEL;
  • definição do relacionamento entre poder concedente e concessionário no campo da radiodifusão.
Os instrumentos criados pelo Código foram aos poucos fazendo sentir seus efeitos. O CONTEL passou a exercer sua missão de orientação da política e de fixação de diretrizes para o setor de telecomunicações; com a submissão ao seu crivo dos planos de expansão dos serviços, ele passou também a coordenar essas expansões. A EMBRATEL, constituída em 16 de setembro de 1965, lançou-se, com o apoio do FNT, à imensa tarefa de interligar todas as capitais e as principais cidades do País. Entre 1969 e 1973, a EMBRATEL assumiu a exploração dos serviços internacionais, à medida que expiravam os prazos de concessão das empresas estrangeiras que os operavam.

Ainda em 1962, devido à precária situação dos serviços telefônicos no Rio de Janeiro, o Governo Federal decretou a intervenção na CTB e, em 1966, foi concretizada a compra das ações daquela empresa pela EMBRATEL.

Em 1963 o CONTEL aprovou critérios para nortear o estabelecimento das tarifas dos serviços de telecomunicações (que, entretanto, não foram seguidos ao longo do tempo). Em 1966, regulamentou a prática, então já de uso corrente, referente à participação financeira dos pretendentes à aquisição de linhas telefônicas, transformando-a em importante instrumento de apoio à expansão dos serviços de telefonia no Brasil - o autofinanciamento.

A questão da fragmentação do poder de outorgar concessões, entretanto, somente seria superada em 13 de fevereiro de 1967, pelo Decreto-Lei n.o 162, que concentrou esse poder na União. Essa disposição seria pouco depois consolidada pela Constituição de 1967, mantendo-se até hoje. A Constituição de 1988, entretanto, foi além, determinando que os serviços públicos de telecomunicações somente poderiam ser explorados pela União, diretamente ou através de concessões a empresas sob controle acionário estatal.

Em 25 de fevereiro de 1967, através do Decreto-Lei n.o 200, foi criado o Ministério das Comunicações, ao qual, desde logo, foram vinculados o CONTEL, o DENTEL e a EMBRATEL. O Ministério das Comunicações assumiu então as competências do CONTEL.

As medidas decorrentes do Código levaram a uma melhoria significativa nos serviços interurbanos e internacionais, mas o mesmo não ocorreu nos serviços locais. Isso fez com que, em 1971, o Governo cogitasse da criação de uma entidade pública destinada a planejar e coordenar as telecomunicações de interesse nacional, a obter os recursos financeiros necessários à implantação de sistemas e serviços de telecomunicações e a controlar a aplicação de tais recursos mediante participação acionária nas empresas encarregadas da operação desses sistemas e serviços. Nascia então a idéia de criação da TELEBRÁS, que seria efetivada em 1972, através da Lei n.o 5.792, de 11 de julho.

Essa lei, além de autorizar a criação da TELEBRÁS -concretizada em 9 de novembro do mesmo ano - também colocou à sua disposição os recursos do FNT, e autorizou a transformação da EMBRATEL em sociedade de economia mista, subsidiária da TELEBRÁS. Pela lei, a TELEBRÁS ficou vinculada ao Ministério das Comunicações.

Logo após sua criação, a TELEBRÁS iniciou o processo de aquisição e absorção das empresas que prestavam serviços telefônicos no Brasil, visando consolidá-las em empresas de âmbito estadual. Havia nessa época mais de novecentas operadoras independentes no Brasil e, no total, uma planta de cerca de dois milhões de terminais. Através do Decreto n.o 74.379, de 1974, a TELEBRÁS foi designada "concessionária geral" para exploração dos serviços públicos de telecomunicações em todo o território nacional.

2. A situação atual

Os serviços públicos de telecomunicações no Brasil são hoje explorados pelo Sistema TELEBRÁS - composto por uma empresa "holding", a TELEBRÁS; por uma empresa "carrier" de longa distância de âmbito nacional e internacional, que explora também serviços de comunicações de dados e de telex (a EMBRATEL); e por 27 empresas de âmbito estadual ou local - e por quatro empresas independentes, sendo três estatais (a CRT, controlada pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul; a SERCOMTEL, pela Prefeitura de Londrina; e a CETERP, pela Prefeitura de Ribeirão Preto) e uma privada (a Cia. de Telecomunicações do Brasil Central, sediada em Uberlândia e que atua no Triângulo Mineiro, no nordeste de S. Paulo, no sul de Goiás e no sudeste do Mato Grosso do Sul).

O Sistema TELEBRÁS detém cerca de 90% da planta de telecomunicações existente no País e atua em uma área em que vivem mais de 90% da população brasileira. A União Federal detém o controle acionário da TELEBRÁS, com pouco mais de 50% de suas ações ordinárias; da totalidade do capital, entretanto, a União detém menos de 22%. A maior parte das ações é de propriedade particular, com cerca de 25% em mãos de estrangeiros e o restante pulverizado entre 5,8 milhões de acionistas.

Ao longo de sua existência, a TELEBRÁS desenvolveu um trabalho notável. Nos últimos 20 anos, enquanto a população brasileira aumentou em 50% e o PIB cresceu 90%, a planta instalada de terminais telefônicos do Sistema TELEBRÁS cresceu mais de 500%, o que veio colocar o País entre os detentores das maiores redes telefônicas de todo o mundo. Essa rede, que integra o País de norte a sul e de leste a oeste, atende hoje a mais de 20 mil localidades em todo o território nacional.

Nesse mesmo período, todavia, o tráfego telefônico aumentou em proporção significativamente maior - mais de 1200% no serviço local e mais de 1800% no serviço interurbano, o que mostra que a demanda por serviços cresceu bem mais do que a capacidade de seu atendimento.

O tráfego telefônico mede, entretanto, apenas a demanda por serviços gerada pela parcela da população e das empresas que já dispõe de acesso ao sistema. Ele não mede a demanda por novas linhas, isto é, não indica a quantidade de pessoas e organizações que ainda não conseguiu atendimento telefônico individualizado. A demanda por acessos aos serviços telefônicos básicos não está hoje adequadamente quantificada, seja pela inexistência de pesquisas, seja pelo fato de jamais ter sido atendida, o que não permite uma referência confiável para realizar projeções. Estima-se entretanto que ela varie entre 18 e 25 milhões de potenciais usuários, dependendo do método utilizado e considerando a substituição do autofinanciamento, como condição de acesso ao serviço, por uma taxa de instalação, de valor muito menor. Desse total, pouco mais de 14,5 milhões de usuários são atendidos atualmente.

Por outro lado, verifica-se que mais de 80% dos terminais residenciais concentram-se nas famílias das classes "A" e "B", o que mostra que as classes menos favorecidas não dispõem de atendimento individualizado; essas pessoas não dispõem também de adequado atendimento coletivo, uma vez que os telefones públicos são insuficientes e mal distribuídos geograficamente.

Não são disponíveis estatísticas confiáveis acerca do atendimento, mesmo com serviços básicos de telecomunicações, aos estabelecimentos de negócios. As grandes corporações construíram, nos últimos anos, com meios alugados ao Sistema TELEBRÁS, redes privativas para atender às suas necessidades de serviços; as pequenas e médias empresas, entretanto, submetem-se aos mesmos percalços enfrentados pelos usuários residenciais para dispor de atendimento telefônico.

Adicionalmente, verifica-se que quase a totalidade dos terminais existentes localiza-se nas áreas urbanas, sendo extremamente reduzido o atendimento a usuários nas áreas rurais: apenas pouco mais de 2% das propriedades rurais dispõem de telefone.

Essa situação é resultado da incapacidade de manutenção, pelas empresas sob controle acionário estatal, do nível necessário de investimentos ao longo do tempo, o que fez com que a taxa de crescimento da planta oscilasse aleatoriamente e fosse insuficiente para, pelo menos, igualar-se à do crescimento da demanda, e mais insuficiente ainda para proporcionar o atendimento à demanda reprimida.

Uma razão expressiva para justificar essa incapacidade de investimento certamente é a questão tarifária, que tem recebido, ao longo dos anos, tratamento inadequado. Desde antes da constituição do Sistema TELEBRÁS, quando o poder de fixá-las era fragmentado ao nível municipal, as tarifas eram estabelecidas segundo critérios totalmente dissociados dos custos dos serviços correspondentes - apesar das regras estabelecidas pelo CONTEL - , o que levou as concessionárias da época a não realizar os investimentos necessários à expansão da rede e à melhoria dos serviços. Posteriormente, já com o Sistema TELEBRÁS constituído, as tarifas passaram a ser definidas pelo Governo Federal, como autoridade econômica, com o interesse centrado na contenção do processo inflacionário, e não como poder concedente - condição em que deveria cuidar de sua compatibilidade com os custos.

Mesmo o mecanismo dos subsídios cruzados, que pretendia que os serviços mais rentáveis e as regiões mais desenvolvidas contribuíssem para o atendimento às periferias, à interiorização e aos serviços de natureza social, acabou sendo desfigurado, uma vez que, por um lado, sua aplicação limitou-se ao serviço telefônico (do de longa distância para o local) e, por outro, as populações das periferias e as mais carentes são exatamente aquelas desprovidas de atendimento telefônico.

Outra razão importante é advinda das restrições à gestão empresarial impostas às empresas estatais de modo geral, notadamente a partir de 1988, que acabaram equiparando essas empresas à administração pública. Em vez de disciplinar as empresas estatais pela exigência de resultados no cumprimento de sua missão, as condicionantes constitucionais foram implementadas através de mecanismos de controle de meios, que, além de ineficazes, limitam exageradamente a flexibilidade operacional indispensável à atuação empresarial, particularmente em ambiente competitivo. Essas restrições vão desde a exigência de processos licitatórios extremamente burocratizados e formalistas para as contratações de bens e serviços - que têm como conseqüência inevitável o aumento de custos e de prazos - até a gestão de recursos humanos, com limitações salariais e exigência de concurso público para admissão e progressão interna, passando pela impossibilidade de constituição de subsidiárias ou participação acionária em outras empresas sem prévia autorização legislativa, além da exigência de submissão de seu orçamento de investimentos à aprovação do Congresso Nacional. Acresce-se a isso o aumento de custos operacionais decorrente da instituição de miríades de controles necessários ao atendimento do excessivo formalismo dos diferentes órgãos internos e externos de fiscalização.

As duas razões apontadas para justificar a incapacidade de investimento não são, entretanto, as únicas. Uma outra, de importância igual ou maior, deve ser citada: é a acomodação resultante do monopólio, da ausência de competição. A necessidade de conquistar e manter clientes, em ambiente de competição, funciona como poderoso estimulante à busca de soluções inovadoras para o melhor atendimento à demanda, para a redução de custos e para a melhoria da qualidade. Esse estímulo, as empresas estatais da área de telecomunicações não tiveram.

3. Do programa de governo à emenda constitucional

O quadro descrito no item anterior mostra, de maneira insofismável, que é fundamental e inadiável uma mudança profunda no setor de telecomunicações. Mas não se trata apenas de mudar por mudar: é preciso que a reforma proporcione as condições necessárias a que o novo cenário seja melhor do que o atual.

Em 1994, o programa de governo de Vossa Excelência, "Mãos à Obra, Brasil", no capítulo referente às telecomunicações, afirmava:

"A tecnologia da informação tornou-se a peça fundamental do desenvolvimento da economia e da própria sociedade. Isto significa que o atraso relativo do nosso país deverá ser necessariamente superado, como condição para retomar o processo de desenvolvimento. Não se trata apenas de alcançar uma maior difusão de um serviço já existente, por uma questão de eqüidade e justiça. Trata-se de investir pesadamente em comunicações, para construir uma infra-estrutura forte, essencial para gerar as riquezas de que o país necessita para investir nas áreas sociais.

O setor das telecomunicações é hoje, sem dúvida, um dos mais atraentes e lucrativos para o investimento privado, em nível internacional. Trata-se de um dos setores líderes da nova onda de expansão econômica, que se formou a partir da chamada terceira revolução industrial. Pode-se contar que não faltarão investidores interessados em expandir essa atividade no mundo, em geral, e num país com as dimensões e o potencial do Brasil, em particular. O problema, que não é só do Brasil, é encontrar uma fórmula para a organização institucional do setor de telecomunicações que, ao mesmo tempo em que promova fortemente os investimentos privados, reforce o papel regulador do Estado e reserve ao setor público a atuação em segmentos estratégicos do ponto de vista social ou do interesse nacional".

Essa afirmativa evidenciava uma preocupação em inserir o Brasil de forma efetiva no grupo das nações que devem conduzir, no mundo, o processo de integração da sociedade através dos meios de comunicação, como exigência da nova "era da informação".

Em outro ponto, o "Mãos à Obra, Brasil" assumia um compromisso: "O Governo Fernando Henrique proporá emenda constitucional visando à flexibilização do monopólio estatal nas telecomunicações. Entretanto, isso não esgota o problema da definição do modelo institucional do setor. A grande atualidade do debate sobre a organização desse setor na maioria dos países desenvolvidos torna a decisão brasileira ainda mais complexa e importante. Amplos segmentos da sociedade brasileira deverão ser ouvidos para que o governo defina completamente sua proposta, através de projeto de lei a ser encaminhado ao Congresso para uma decisão final".

Esse compromisso foi cumprido logo no início do Governo de Vossa Excelência, através do encaminhamento ao Congresso Nacional, em 16 de fevereiro de 1995, da Mensagem n.o 191/95, com a Proposta de Emenda Constitucional n.o 03-A/95. Dessa proposta resultou a Emenda Constitucional n.o 8, de 15 de agosto de 1995, que alterou o inciso XI e a alínea "a" do inciso XII do art. 21 da Constituição Federal, dando-lhes a seguinte redação:

"Art. 21. Compete à União:

............................................................................................................................................................................................................................

XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;

XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:

a) os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens;

..............................................................................................................................................................................................................................."

Objetivava-se com essa emenda flexibilizar o modelo brasileiro de telecomunicações, eliminando a exclusividade da concessão para exploração dos serviços públicos a empresas sob controle acionário estatal e buscando introduzir o regime de competição na prestação desses serviços, visando, em última análise, o benefício do usuário e o aumento da produtividade da economia brasileira.

4. As telecomunicações no futuro

A partir da aprovação da Emenda Constitucional, a reforma estrutural das telecomunicações no Brasil vem sendo discutida e implementada no contexto das profundas transformações por que passa esse setor em todo o mundo, ditadas por três forças, ou vetores, que se inter-relacionam e, em certa medida, se determinam reciprocamente:

a) a globalização da economia;

b) a evolução tecnológica; e

c) a rapidez das mudanças no mercado e nas necessidades dos consumidores.

Nesse contexto, a regulamentação vigente é inadequada, pois foi concebida sob a égide de um mercado essencialmente monopolístico e pouco diversificado, em estágio tecnológico já amplamente superado.

De fato, a dinâmica atual dos negócios exige, cada vez mais, acesso pleno à crescente "economia da informação". É consenso que a indústria intensiva em informações crescerá significativamente e responderá por parte importante do PIB, de maneira que a eficiência dos serviços de telecomunicações será fator de competitividade tanto para essa indústria como, conseqüentemente, para os próprios mercados em que elas se inserem.

Com efeito, as empresas que desejam manter suas vantagens competitivas defrontam-se com exigências cada vez maiores e mais diversificadas em termos de telecomunicações e de processamento de informações. A competitividade no mercado internacional depende cada vez mais da eficiência no acesso e no uso da informação, o que por sua vez é função da eficiência relativa dos sistemas de telecomunicações disponíveis no país, comparados aos dos países dos concorrentes e dos parceiros comerciais, bem como da eficiência com que as telecomunicações ligam o país aos seus mercados e competidores globais.

A necessidade de adotar uma regulamentação que permita que as operadoras possam reagir rapidamente aos imperativos do mercado e da evolução tecnológica, oferecendo assim toda a gama de serviços de telecomunicações exigida pela sociedade, não significa que não se deva conferir peso adequado ao papel social das telecomunicações. Num país como o Brasil, com grau inadequado de atendimento à demanda, deve continuar sendo um objetivo central da política governamental a oferta à sociedade de serviços básicos de telecomunicações em toda a extensão do seu território, de forma não discriminatória, com atributos uniformes de disponibilidade, acesso e conectividade, e a preços satisfatórios.

De uma forma ampla, o que se pretende é criar condições para que o progresso das tecnologias da informação e das comunicações possa efetivamente contribuir para mudar, para melhor, a maneira de viver das pessoas.

Para isso, é necessário que o arcabouço regulatório de telecomunicações evolua de modo a colocar o usuário em primeiro lugar; o usuário deverá ter liberdade de escolha e receber serviços de alta qualidade, a preços acessíveis. Isso somente será possível em ambiente que estimule a competição dinâmica, assegure a separação entre o organismo regulador e os operadores, e facilite a interconectividade e a interoperabilidade das redes. Tal ambiente permitirá ao consumidor a melhor escolha, por estimular a criação e o fluxo de informações colocadas à sua disposição por uma grande variedade de fornecedores.

Ao mesmo tempo, as regras da competição deverão ser interpretadas e aplicadas tendo em vista a convergência das novas tecnologias e serviços, a liberalização do mercado, o estímulo aos novos fornecedores e a intensificação da concorrência internacional. Deverão também ser estimuladas as modalidades de cooperação entre prestadores de serviços que visem aumentar a sua eficiência econômica e o bem estar do consumidor, adotando-se entretanto precauções contra o comportamento anticoncorrencial, particularmente o abuso de poder pelas empresas dominantes no mercado.

Deve ser considerado também que o Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços, firmado pelo Brasil com os demais países integrantes da Organização Mundial do Comércio - OMC em Marrakesh, em 12 de abril de 1994, e aprovado pelo Congresso Nacional em 30 de dezembro do mesmo ano, através do Decreto n. 1.355, fundamentou-se no reconhecimento da "importância crescente do comércio de serviços para o crescimento e desenvolvimento da economia mundial", e visava "estabelecer um quadro de princípios e regras para o comércio de serviços com vistas à expansão do mesmo sob condições de transparência e liberalização progressiva".

No que diz respeito a telecomunicações, o Acordo mencionado contém um Anexo próprio, decorrente do "reconhecimento das características específicas do setor de serviços de telecomunicações, em particular sua dupla função como setor independente de atividade econômica e meio fundamental de transporte de outras atividades econômicas". Esse Anexo aplica-se a todas as medidas que afetem o acesso às redes e serviços públicos de telecomunicações e sua utilização, não se aplicando, porém, às medidas que afetem a distribuição por cabo ou a difusão de programas de rádio ou televisão.

Durante 1995 e 1996 ocorreram diversas reuniões, na sede da OMC, em Genebra, visando à obtenção de um acordo envolvendo as chamadas telecomunicações básicas, o que finalmente acabou sendo adiado para fevereiro de 1997. As disposições da nova lei brasileira de telecomunicações, aplicáveis a esse Acordo, poderão ser incluídas na oferta do Brasil nessas negociações, se houver tempo hábil para isso.

De uma forma geral, observa-se hoje que:

a) a disponibilidade de uma infra-estrutura adequada de telecomunicações é fator determinante para a inserção de qualquer país em posição destacada no contexto internacional;

b) os países mais desenvolvidos estão atuando em conjunto para desenvolver uma adequada infra-estrutura- seja em termos de meios, seja em termos de aplicações - que possa alavancar o desenvolvimento da chamada "sociedade da informação", em benefício de seus cidadãos e de suas empresas (a chamada information highway);

c) os países em desenvolvimento, como o Brasil, devem participar dessa verdadeira revolução, que acontecerá em escala mundial, para aproveitar as oportunidades que se abrirão de saltar etapas de desenvolvimento tecnológico e de estimular o desenvolvimento social e econômico.

Em linha com essas conclusões e com a diretriz formulada no "Mãos à Obra, Brasil" para uma economia competitiva, no sentido de "promover amplo programa de investimentos públicos e privados, com a participação de agentes nacionais e estrangeiros, na melhoria e expansão da infra-estrutura de transportes, comunicações e energia", o Governo de Vossa Excelência estabeleceu metas explícitas de expansão do sistema de telecomunicações, traduzidas na ampliação da oferta de acessos aos diferentes serviços. Essas metas constam do PASTE - Programa de Recuperação e Ampliação do Sistema de Telecomunicações e do Sistema Postal, divulgado pelo Ministério das Comunicações no final de setembro de 1995. O PASTE detalha os projetos de investimento no setor no período 1995-1999 e estima sua extensão até 2003, financiados com recursos provenientes essencialmente da iniciativa privada, totalizando no período R$ 75 bilhões.

Considerando especificamente o segmento de telefonia, o PASTE propõe que no horizonte 1999-2003 sejam atingidos os objetivos de atendimento mostrados na Tabela 1:

Tabela 1 - Metas do PASTE

em milhões (*)
 

  1 9 9 9 2 0 0 3
Segmentos de Mercado
Telefonia Fixa

Telefonia Móvel

Telefonia Fixa

Telefonia Móvel

Total

24,7

9,6

40,0

17,2

Famílias Urbanas
15,7

(41%) 

6,2

(17%) 

22,2

(55%) 

10,2

(25%) 


Famílias Rurais
1,8

(20%) 

0,7

(8%) 

3,2

(40%) 

1,2

(15%) 


Empresas e Outras Entidades
7,6

(37%) 

2,7

(13%) 

14,6

(50%) 

5,8

(20%) 

(*) os números entre parênteses indicam o percentual de atendimento em cada caso

Atingindo esses objetivos, o Brasil terá 15 telefones para cada 100 habitantes em 1999 e 24 telefones para cada 100 habitantes em 2003. Quanto à telefonia móvel, serão 6 terminais para cada 100 habitantes em 1999 e 10 telefones para cada 100 habitantes em 2003.

Comparados com os 13,2 milhões de terminais telefônicos instalados existentes ao final de 1994, esses objetivos significam um crescimento médio anual de 13,4% no período 1994-1999 e de 12,8% no período 2000-2003. Quanto à telefonia celular, os objetivos propostos representam incrementos médios anuais de 64,4% entre 1994 e 1999, e de 15,7% entre 2000 e 2003, em relação aos 800 mil terminais existentes em 1994.

No momento, o PASTE está sendo revisto, uma vez que, desde sua preparação, com base no cenário do primeiro semestre de 1995, até o momento, ocorreram transformações significativas no plano institucional e no mercado. Essa revisão deverá ser tornada pública em janeiro próximo, atualizando as diversas metas propostas originalmente para os diversos serviços, com expressivos aumentos para algumas delas, como reflexo dessas transformações.

II. OS FUNDAMENTOS DA PROPOSTA

1. Da emenda constitucional à implementação da reforma

Em setembro de 1995, portanto um mês após a aprovação da Emenda Constitucional n.o 8, dando seqüência ao programa de governo de Vossa Excelência, o Ministério das Comunicações divulgou dois textos sobre a Reforma Estrutural do Setor de Telecomunicações, que ficaram conhecidos como REST-1/95- Plano de Trabalho e REST-2/95 - Premissas e Considerações Gerais. Esses dois documentos continham as linhas básicas norteadoras do trabalho que vem sendo desenvolvido desde então na formulação de um novo modelo institucional para as telecomunicações brasileiras.

Conforme estabelecido naquelas publicações, as premissas que balizam a reforma estrutural do setor de telecomunicações brasileiro são as seguintes:

a) a reforma tem por objetivo adequar a estrutura do setor de telecomunicações ao novo cenário que se pretende para o Brasil, significando, simultaneamente, a visão do setor de telecomunicações como:

  • indutor da democratização da estrutura de poder no País;
  • vetor do aumento de competitividade da economia brasileira;
  • vetor do desenvolvimento social do País, proporcionando condições para a redução das desigualdades entre regiões geográficas e entre classes de renda pessoal e familiar;
b) o novo modelo deverá:

i) ter como referência os direitos dos usuários dos serviços de telecomunicações e, para tanto, deverá assegurar:

  • a busca do acesso universal aos serviços básicos de telecomunicações;
  • o aumento das possibilidades de oferta de serviços, em termos de quantidade, diversidade, qualidade e cobertura territorial;
  • a possibilidade de competição justa entre os prestadores de serviços;
  • preços razoáveis para os serviços de telecomunicações;
ii) incentivar o aumento da participação de capitais privados, nacionais e estrangeiros, nas atividades relacionadas ao setor de telecomunicações;

iii) ser concebido com a pretensão de que tenha a mais longa vida possível, de maneira a não se tornar prematuramente obsoleto pela evolução tecnológica. Isto é, a tecnologia deverá ser utilizada tanto para proporcionar mais opções para a prestação de novos serviços quanto para a redução de custos dos serviços tradicionais, garantidas a qualidade desses serviços e a possibilidade de interconexão dos diversos sistemas abertos em suas diversas etapas de evolução;

iv) estimular a participação ativa do setor de telecomunicações brasileiro no contexto internacional;

v) assegurar o uso eficiente do espectro radioelétrico, bem como de qualquer outro meio natural limitado que seja utilizado na prestação de serviços de telecomunicações;

c) a transição para o novo modelo deverá ocorrer de forma a preservar o interesse público.

Também em 1995, o Governo de Vossa Excelência optou por submeter a proposta de reforma estrutural do setor de telecomunicações ao Congresso Nacional em duas etapas. A primeira delas foi iniciada com o envio ao Congresso, em 28 de novembro de 1995, do Projeto de Lei que veio a se transformar na Lei n.o 9.295, de 19 de julho de 1996. Essa Lei viabilizou a adoção das providências em andamento objetivando a abertura à competição de alguns segmentos de mercado com alta atratividade para os investimentos privados, em virtude da forte demanda não atendida (caso da telefonia móvel celular) e, também, de sua importância como infra-estrutura empresarial (caso dos serviços via satélite e dos serviços limitados, que possibilitam a constituição de redes corporativas).

A segunda etapa da reforma é a que está sendo proposta no momento. Ela visa alterar profundamente o atual modelo brasileiro de telecomunicações, de forma que a exploração dos serviços passe da condição de monopólio à de competição e que o Estado passe da função de provedor para a de regulador dos serviços e indutor das forças de mercado, fazendo, ao mesmo tempo, com que o foco da regulamentação seja deslocado da estrutura de oferta de serviços, como era tradicional, para os consumidores desses serviços. Adicionalmente, pretende-se criar um ambiente de estabilidade regulatória que estimule investimentos no setor.

Com a realização dessas duas etapas estará sendo reformulada parte das disposições contidas na Lei n.o 4.117/62. Como já apontado anteriormente, esse diploma legal, que instituiu o Código Brasileiro de Telecomunicações, dispõe sobre os serviços de telecomunicações de maneira geral, e também sobre radiodifusão; entretanto, apenas os serviços de telecomunicações estão sendo tratados por este Projeto de Lei. Para a reforma completa do Código está previsto que, ao longo de 1997, seja desenvolvido novo projeto, a ser também submetido ao Congresso Nacional, que se pretende venha a se tornar a nova Lei de Radiodifusão.

Após a aprovação do Projeto de Lei ora proposto, terá início a fase que poderia ser chamada de terceira etapa da reforma, que consistirá na criação efetiva do órgão regulador, na privatização das atuais operadoras estatais e na implementação do regime de competição na exploração dos serviços, conforme detalhado a seguir.

2. Os objetivos da reforma

Com base nas premissas indicadas no item anterior e na política de governo de Vossa Excelência, foram formulados objetivos específicos para a reforma das telecomunicações no Brasil. De forma sucinta, esses objetivos poderiam ser vistos como a consolidação de dois princípios essenciais: a introdução da competição na exploração dos serviços e a universalização do acesso aos serviços básicos. Esses objetivos são os seguintes:

i) fortalecer o papel regulador do Estado e eliminar seu papel de empresário. Esse objetivo contempla a orientação de que o Estado promoverá um grau adequado de supervisão sobre o setor, de modo a assegurar que sejam alcançados os objetivos essenciais da reforma, a criação de um mercado de competição efetiva e a proteção dos consumidores contra comportamentos anticoncorrenciais. Adicionalmente, sintetiza a decisão de privatizar as empresas atualmente sob controle acionário da União, bem como de outorgar novas licenças para que operadores privados prestem serviços de telecomunicações no Brasil;

ii) aumentar e melhorar a oferta de serviços. Três temas básicos decorrem desse objetivo: a promoção da diversidade dos serviços oferecidos à sociedade; o aumento significativo da oferta de serviços de telecomunicações no Brasil; e o alcance de padrões de qualidade compatíveis com as exigências do mercado;

iii) em um ambiente competitivo, criar oportunidades atraentes de investimento e de desenvolvimento tecnológico e industrial. Nesse objetivo consolidam-se três intenções básicas. A primeira delas associa-se à necessidade de atração de capitais privados através da criação de oportunidades para investimento no setor. A segunda diz respeito à construção de um ambiente que propicie o desenvolvimento da competição justa no mercado e facilite a consolidação de novos participantes. Finalmente, a terceira refere-se à geração de condições que estimulem a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico e industrial;

iv) criar condições para que o desenvolvimento do setor seja harmônico com as metas de desenvolvimento social do País. Quatro são as proposições básicas consolidadas nesse objetivo: propiciar condições para reduzir o diferencial de cobertura dos serviços de telecomunicações entre as diversas regiões do País e entre as diversas faixas de renda; criar condições para a prática de tarifas razoáveis e justas para os serviços de telecomunicações; promover serviços de telecomunicações que incentivem o desenvolvimento econômico e social do País; e alcançar metas específicas de serviço universal;

v) maximizar o valor de venda das empresas estatais de telecomunicações sem prejudicar os objetivos anteriores. Esse objetivo expressa a intenção de que o processo de privatização das atuais operadoras estatais seja planejado de forma que os objetivos essenciais ligados à introdução da competição e à promoção do acesso universal aos serviços básicos sejam alcançados, sem, contudo, provocar impactos negativos importantes no valor dos ativos a serem vendidos.

Esses objetivos serviram de sustentação ao desenvolvimento de um modelo econômico para o setor, feito em conjunto pela equipe do Ministério das Comunicações e por consultores internacionais supridos pela UIT - União Internacional de Telecomunicações, como exposto no início desta Exposição de Motivos. Esse modelo foi utilizado para suportar a proposta de arcabouço regulatório e de estrutura de mercado para o setor, a ser descrita a seguir.

3. Aspectos fundamentais do arcabouço regulatório

Com base nas premissas estabelecidas, nos objetivos citados e nas metas de crescimento definidas, procurou-se explicitar alguns aspectos específicos do arcabouço regulatório que devem ser implementados independentemente da estrutura de mercado que se pretenda ou da estratégia de transição para atingi-la. Esses aspectos são os que asseguram condições justas e estáveis de competição às empresas que atuam no mercado, permitindo o seu desenvolvimento e, em conseqüência, a consolidação de um mercado efetivamente competitivo, com proveito para os consumidores.

Na definição desses aspectos tomaram-se como base as lições apreendidas da experiência de outros países, o conhecimento dos requisitos tecnológicos associados à implantação da competição no setor de telecomunicações e a situação específica desse setor no Brasil atual. Dessa forma, foram explicitadas as três questões fundamentais que devem ser objeto do arcabouço regulatório em foco:

a) a existência de um organismo regulador independente;

b) as regras básicas para que a competição seja justa; e

c) o mecanismo de financiamento das obrigações de serviço universal.

A passagem da atual condição de mercado monopolista para o novo cenário pretendido para as telecomunicações brasileiras pressupõe, para ser viabilizada, a existência de um órgão regulador, como determina o novo texto da Constituição Federal. Essa entidade terá como missões principais promover a competição justa, defender os interesses e os direitos dos consumidores dos serviços e estimular o investimento privado.

Embora a competição se constitua no melhor regulador para os mercados, é fato que, em praticamente todos os países que já promoveram alguma reestruturação de suas telecomunicações, algum tipo de organismo regulador foi implementado. Em alguns países a regulação é exercida diretamente pelo governo, através de um organismo do poder executivo; em outros, o regulador é uma agência semi-autônoma; em outros, ainda, o órgão regulador é independente. Isso decorre da percepção de que, se deixado às próprias forças do mercado estabelecer essa regulação, muito provavelmente ocorreria o seu domínio pelo antigo operador monopolista, de vez que, pelo fato de deter praticamente toda a infra-estrutura e todos os clientes, esse operador teria condições de impedir, ou pelo menos dificultar, a entrada de novos concorrentes no mercado.

A questão essencial passa a ser, então, definir as atribuições e poderes desse órgão regulador, com o objetivo de torná-los claros para o mercado e para a sociedade em geral. Dado o extremo dinamismo do setor de telecomunicações, é fundamental que o órgão regulador disponha de poderes para estabelecer regulamentos de forma a maximizar os benefícios, para a sociedade, das modificações propiciadas especialmente pela modernização da tecnologia. Isso significa que o órgão regulador deve ter atribuições e poderes bastante amplos, para possibilitar que a lei não tenha de ser exageradamente detalhista -- e conseqüentemente restritiva.

Adicionalmente, o órgão regulador é peça-chave para inspirar ou não a confiança dos investidores na estabilidade das regras estabelecidas para o mercado. Uma entidade dotada de competência técnica e de independência decisória inspira confiança; ao contrário, uma organização sem autonomia gerencial, com algum tipo de dependência restritiva ou sem capacidade técnica, gera desconfiança e, conseqüentemente, afasta os investidores.

Além de competência para definir a regulamentação do setor, cobrindo todos os aspectos, desde as licenças até os padrões de interconexão, o órgão regulador deverá ter autoridade para fazer cumprir a lei e os regulamentos. Essa autoridade, em associação com as dos organismos de defesa da concorrência, será essencial para assegurar a proteção dos consumidores contra comportamentos anticompetitivos.

O órgão regulador difere de outros organismos governamentais porque, em vez de simplesmente prestar um serviço ao público, tem de tomar decisões que pressupõem o exercício de poder discricionário. Para que ele seja eficiente e eficaz, portanto, é necessário que disponha de competência técnica; além disso, é fundamental que:

a) desfrute de liberdade gerencial para atingir os objetivos determinados. Essa faculdade visa incentivar a eficiência administrativa e a competência técnica: é um insumo essencial para o bom desempenho do órgão regulador em ambiente de tecnologia de ponta e de competição;

b) desfrute de autonomia, isto é, não seja passível de influências de outros órgãos do governo ou de grupos de interesse. A autonomia, associada à competência técnica que pode resultar da liberdade gerencial, tende a levar a decisões consistentes e justas, o que significa desempenho satisfatório. A autonomia é fortalecida através da disponibilidade de fontes próprias de recursos financeiros, como taxas arrecadadas dos operadores ou dos usuários;

c) seja obrigado a prestar contas. O órgão regulador deve estar totalmente comprometido com objetivos pré-determinados e prestar contas de suas ações, tanto qualitativamente como sob o ponto de vista financeiro. Assim, ele será, na prática, um órgão auxiliar do Governo, desde que haja o estabelecimento a priori de objetivos, seguido de controles a posteriori para comprovação do cumprimento dos objetivos a ele atribuídos;

d) disponha de regras e controles internos para limitar o poder das pessoas individualmente, de maneira a dificultar o comportamento oportunista e inibir ações indesejáveis por parte de operadoras e grupos de interesse. Exemplos dessas regras e controles são: decisão colegiada; processo de decisão variável em função do impacto da decisão (maior o impacto, maior o envolvimento colegiado na decisão); utilização de grupos consultivos; adoção do mecanismo de submeter a consulta pública os assuntos de maior relevância, antes da tomada de decisão; e período de carência entre a tomada de uma decisão e sua entrada em vigor, dando oportunidade às várias partes afetadas de se manifestar.

Com relação às regras básicas para assegurar que a competição seja justa, elas podem ser resumidas nas seguintes:

  • interconexão obrigatória das redes que prestam serviços destinados ao público em geral;
  • acesso não discriminatório dos clientes aos prestadores de serviços que competem entre si;
  • plano de numeração não discriminatório;
  • possibilidade de acesso dos concorrentes às redes abertas em condições adequadas;
  • eliminação dos subsídios cruzados entre serviços;
  • regulação tarifária dos operadores dominantes;
  • direitos de passagem não discriminatórios;
  • resolução dos conflitos entre operadores pelo órgão regulador.
Com relação ao serviço universal, é importante fixar, inicialmente, o seu conceito. Como enfatizado anteriormente, o desenvolvimento do novo modelo institucional para as telecomunicações brasileiras é suportado num conjunto de objetivos que podem ser sintetizados em duas idéias principais: a competição na exploração dos serviços e a universalização do acesso aos serviços básicos.

A idéia da universalização do acesso contempla duas situações genéricas:

  • serviços de telecomunicações individuais, com níveis de qualidade aceitáveis, devem ser fornecidos, a tarifas comercialmente razoáveis, dentro de um prazo razoável, a qualquer pessoa ou organização que os requisitar;
  • outras formas de acesso a serviços de telecomunicações devem ser fornecidas, em localizações geográficas convenientes, a tarifas acessíveis, àquelas pessoas que não tiverem condições econômicas de pagar tarifas comercialmente razoáveis por serviços individuais.
Na primeira dessas situações, as tarifas cobrem os custos operacionais e proporcionam retorno comercialmente atrativo ao capital investido, de modo que os provedores de serviço buscarão, normalmente, satisfazer a esses clientes como parte de sua estratégia de negócios. Ou seja, a competição na exploração dos serviços fará com que os consumidores economicamente atrativos sejam atendidos satisfatoriamente, tendo acesso a serviços que supram de forma adequada suas necessidades de telecomunicações.

Já a segunda situação diz respeito àqueles casos em que o custo de prover o acesso físico seja elevado (por exemplo, em localidades remotas no interior do País, nas áreas rurais, nas periferias das grandes cidades, em regiões escassamente povoadas) ou em que os clientes potenciais disponham de renda inferior à que seria necessária para criar uma oportunidade de investimento atrativa para algum provedor de serviço. Nesse caso, o acesso a serviços de telecomunicações poderá requerer algum tipo de subsídio, que deverá ser idealizado e distribuído de modo a não criar vantagens nem desvantagens para nenhum dos operadores e, ao mesmo tempo, possibilitar o atendimento a esse objetivo social ao menor custo.

Atender a essa segunda situação é o que comumente se chama de obrigação de serviço universal, e financiar essa obrigação é o terceiro ponto fundamental da regulação tratada neste item.

Por se tratar de uma questão de natureza eminentemente social, deve-se admitir, de antemão, que essa obrigação possa variar com o tempo, à medida que certos objetivos sejam atingidos e que a evolução da economia, do desenvolvimento regional, das questões demográficas, da distribuição de renda e outras, vão alterando as condições iniciais. Por isso, as metas específicas de serviço universal devem poder ser modificadas periodicamente, de forma a ser adaptadas às condições de cada momento.

Não se deve, entretanto, esperar metas extremamente ousadas num momento inicial, como instalar telefones em todas os domicílios brasileiros, pois isso não seria realista. Pelo contrário, as metas devem ser estabelecidas considerando o seu custo potencial e o impacto que terão para os seus beneficiários.

Para se ter uma idéia do que poderiam ser essas obrigações no Brasil, num primeiro momento, pode-se considerar, a título de exemplo, como meta a ser alcançada até o ano de 2001,a melhoria do acesso da população ao serviço telefônico, basicamente por meio de telefones de uso público. Isso seria obtido através de:

  • aumento da densidade de telefones públicos, dos atuais 2,6 por 1.000 habitantes para 6 por 1.000 habitantes, o que significaria colocar em serviço cerca de 550.000 novos aparelhos (ou seja, mais do que duplicar a base hoje instalada, dentro de um período de 5 anos);
  • atendimento a todas as localidades com mais de 100 habitantes com pelo menos um telefone público capaz de fazer e receber chamadas (o que significaria dobrar o número de localidades hoje atendidas, da ordem de 20.000);
  • melhoria da distribuição geográfica dos telefones públicos nas regiões urbanas, tanto nas centrais como principalmente nas periferias densamente povoadas e nas áreas habitadas por pessoas de baixa renda, de maneira a tornar possível a qualquer um o acesso a um "orelhão" sem necessidade de andar mais do que 300 metros.
Em outro momento, metas adicionais poderiam ser estabelecidas, como por exemplo a disponibilização, a todas as escolas e bibliotecas públicas, de acessos à Internet, e o acesso, a redes de faixa larga, de hospitais públicos e centros de saúde, de maneira a tornar disponível, nessas instituições, as facilidades proporcionadas pela moderna tecnologia de comunicações.

É intuitivo que o atendimento a metas desse tipo provavelmente resultará em altos custos para o prestador do serviço; entretanto, essa prestação também gerará receitas, que serão, em princípio, inferiores aos custos. Financiar as obrigações de serviço universal é, portanto, financiar esse potencial déficit. Em outras palavras, é cobrir a parcela dos custos marginais de longo prazo que não possam ser recuperadas através de uma operação eficiente do serviço.

Como já salientado anteriormente, é essencial que o mecanismo de financiamento não crie vantagens nem desvantagens para nenhum dos operadores, mas que distribua o ônus de forma eqüitativa sobre todos eles. Das cinco alternativas de financiamento possíveis, apontadas a seguir, apenas a primeira e a última atendem, entretanto, essa premissa:

a) subsídios governamentais diretos. Nessa hipótese, haveria recursos do orçamento fiscal destinados a financiar o serviço universal na área de telecomunicações. Embora do ponto de vista puramente econômico esta seja uma opção perfeitamente defensável, pelos benefícios que o acesso aos serviços de telecomunicações poderá trazer para a população, são evidentes as dificuldades de natureza política para justificar a destinação de recursos a esse setor em detrimento de outros de prioridade certamente maior do ponto de vista social;

b) subsídios implícitos no preço de venda das empresas. Nesse caso, as obrigações de atendimento seriam impostas às atuais empresas estatais e, no momento de sua privatização, o comprador descontaria, do preço a ser por ele pago, o correspondente ao déficit em que incorreria futuramente com o cumprimento da obrigação. Além de difícil operacionalização, essa alternativa certamente implicaria em problemas com os acionistas minoritários;

c) subsídios cruzados internos à empresa. Nessa opção, a empresa com a obrigação de prestar o serviço universal financiaria o déficit correspondente através da maior rentabilidade obtida dos clientes mais atrativos economicamente. Trata-se de uma alternativa insustentável num ambiente competitivo;

d) subsídios cruzados externos (entre empresas). Nessa alternativa, as empresas não incumbidas de prestar o serviço universal participariam de seu financiamento pagando àquelas empresas que tivessem essa obrigação taxas de interconexão maiores do que os custos efetivos da interconexão. Esse mecanismo pode eventualmente funcionar, em condições bastante específicas e por prazos pré-definidos. Entretanto, sua adoção estimula o bypass da rede da operadora com obrigação de prestar o serviço, e poderá levar a distorções imprevisíveis no mercado;

e) criação de um fundo específico. Nesse caso, todas as operadoras participariam do financiamento das obrigações de serviço universal, através de uma contribuição proporcional a suas respectivas receitas. O órgão regulador seria o responsável por administrar esse fundo, definir o valor das contribuições e escolher, de forma adequada, a empresa a ser incumbida da prestação do serviço universal em cada situação específica. Por ser politicamente mais simples, essa opção é a que parece ser a mais recomendável.

4. Aspectos econômicos fundamentais

A atração de capitais privados para novos investimentos pressupõe a existência de demanda suficiente pelos serviços e preços que cubram os custos e proporcionem retorno adequado.

A demanda por serviços de telecomunicações no Brasil é grande e crescente. Considerando apenas a telefonia convencional, a demanda total estimada atualmente varia entre 18 e 25 milhões de acessos; como existem em serviço pouco mais de 14 milhões de linhas, a demanda não atendida situa-se entre 4 e 11 milhões de terminais. A demanda total projetada para 2003 varia entre 26 e 35 milhões de linhas.

A receita média gerada atualmente pelos terminais em serviço tem cerca de 43% provenientes dos serviços locais e 57% dos serviços de longa distância, enquanto os custos distribuem-se 81% para os serviços locais e 19% para os de longa distância. Esse desequilíbrio é conseqüência da política de subsídios cruzados adotada no Brasil (e também em outros países) em situação de monopólio, sob o argumento principal de que, transferindo-se receita dos serviços interurbano e internacional, em princípio utilizados pelas empresas e pelas camadas da população de maior renda, estar-se-ia subsidiando as camadas menos favorecidas do povo, usuárias essencialmente apenas dos serviços locais.

Como já mostrado anteriormente, esse argumento é falacioso, de vez que, no Brasil, as camadas mais pobres da população não dispõem de atendimento telefônico individualizado, de modo que o subsídio acabou beneficiando mesmo as classes sociais mais favorecidas. Ao contrário, ao onerar as empresas com custos mais elevados para os serviços que elas mais usam - interurbano e internacional - esse subsídio às avessas acabou significando uma penalização às classes mais pobres, pois certamente o diferencial de custos foi repassado aos preços dos produtos que elas consomem. Adicionalmente, num regime de competição na exploração dos serviços, a manutenção de subsídios cruzados é insustentável.

Rebalancear as tarifas dos serviços de telecomunicações, aumentando as dos serviços locais (assinatura e tráfego) e reduzindo as dos serviços interurbano e internacional, é portanto medida preliminar a ser tomada, antes do estabelecimento do regime de competição, para permitir que esta possa ocorrer em condições justas. Por outro lado, o rebalanceamento é também condição essencial para permitir que as receitas de cada serviço cubram os respectivos custos e proporcionem a mencionada margem adequada de retorno capaz de atrair os investimentos privados.

Considerando a implementação de um rebalanceamento tarifário neutro em termos de receita - isto é, que, mantido o uso médio atual dos serviços, não implique nem em aumento nem em diminuição da receita total dos operadores - a receita média projetada para cada terminal, derivada dos serviços locais (assinatura, tráfego e interconexão com os serviços interurbano, internacional e celular), deveria cobrir os custos operacionais e de capital das atuais operadoras do Sistema TELEBRAS, considerando, no cálculo do custo de capital, a remuneração normalmente desejada por investidores privados, de 15% ao ano, após o Imposto de Renda. Como os procedimentos atualmente em vigor para estabelecimento das tarifas consideram a referência de 12% ao ano, antes do Imposto de Renda, para remuneração do capital, pode-se inferir que essas empresas, provavelmente, buscarão aumentar sua produtividade de forma que a exploração desses serviços lhes seja economicamente atraente.

Por outro lado, é razoável supor-se que a receita média proporcionada pelos novos assinantes do serviço seja inferior à receita média gerada pelos atuais assinantes, uma vez que, em princípio, a maioria dos novos assinantes será proveniente de classes de renda mais baixa do que o segmento atualmente atendido. Dependendo da extensão em que isso ocorrer, poderá portanto não haver atratividade econômica para o atendimento a esses novos potenciais assinantes, em termos individualizados, utilizando-se a tecnologia convencional.

Como há, em princípio, possibilidade de custos menores com a utilização de tecnologias alternativas - acesso sem fio, por exemplo, ou utilizando as redes de distribuição de TV a cabo - existe espaço para o desenvolvimento de novos operadores para os serviços locais, ou para o atendimento a esses novos assinantes pelos atuais operadores, desde que possam se utilizar dessas novas tecnologias.

Além do aspecto do rebalanceamento tarifário entre os serviços locais e os de longa distância, uma outra questão econômica de fundamental importância a ser adequadamente resolvida é a do estabelecimento das tarifas de interconexão entre as redes de suporte dos diversos serviços (basicamente dos serviços locais com os de longa distância e com o móvel celular). Essa certamente será uma das primeiras e principais preocupações do órgão regulador .

5. Visão setorial de médio prazo: o cenário-objetivo

A visualização de como será a estrutura do mercado a médio prazo é importante para permitir uma avaliação das possibilidades de que os objetivos da reforma sejam efetivamente atendidos. Para balizar a construção dessa visão, pode-se partir de quatro questões essenciais:

i) Há interesse em se ter só operadoras de abrangência nacional, isto é, tendo como área de atuação o País inteiro, ou é melhor ter-se operadoras de abrangência regional?

ii) Quantos competidores devem ser admitidos no mercado? Deve ou não haver algum tipo de limitação?

iii) Deve ou não haver distinção entre empresas que exploram serviços locais e empresas que exploram serviços de longa distância? Onde terminam uns e começam outros? Deve ou não haver algum tipo de competição entre essas empresas?

iv) Os novos operadores devem ou não ser submetidos às mesmas condições que os operadores antigos, em termos de obrigações de atendimento, limitações geográficas e de serviços?

A criação de empresas de abrangência nacional significaria a existência, desde o início, de empresas provavelmente fortes, capazes de competir internacionalmente num tempo mais curto do que partindo-se de empresas menores. Adicionalmente, com área de atuação nacional, essas empresas poderiam promover subsídios cruzados internos, fazendo com que as regiões mais dinâmicas compensassem as menores vantagens obtidas nas áreas menos desenvolvidas.

Entretanto, já foi visto que subsídios cruzados são incompatíveis com ambientes competitivos. Além disso, a criação de duas empresas nacionais a partir das teles estaduais e da EMBRATEL resultaria em empresas complementares entre si em termos de infra-estrutura, com forte incentivo à colusão e, portanto, dificultando a introdução efetiva da competição. Para contornar isso, haveria necessidade de atuação extremamente forte do órgão regulador já desde a sua constituição, o que aumenta ainda mais as dificuldades. Isso significa um grau de incerteza extremamente elevado, com resultados imprevisíveis em termos de evolução potencial do mercado.

Alternativamente, a criação de um pequeno número de empresas de abrangência regional - isto é, de três a cinco - aumentaria as perspectivas de resultados mais adequados aos objetivos propostos para a reforma. Primeiro, porque essas empresas teriam porte razoável, comparável ao de suas maiores congêneres latinoamericanas, com possibilidade de geração própria de recursos para financiar parte expressiva dos investimentos necessários. Em segundo lugar, a regionalização permitiria a focalização dos investimentos dentro de cada região, aumentando assim as frentes de inversões e cobrindo portanto o País todo. Em terceiro lugar, a existência de várias companhias facilitaria o trabalho do órgão regulador, porque o fato de haver mais empresas significa menor poder monopolista e maior possibilidade de competição comparativa entre os operadores. Finalmente, a regionalização permitiria a criação de mecanismos de incentivo aos investimentos necessários à implantação de infra-estrutura e ao atendimento às obrigações de serviço universal, que consistiriam simplesmente na remoção das restrições (de natureza geográfica e de limites quanto aos serviços prestados) após o operador ter atingido as metas previamente definidas.

Assim sendo, fica claro que cenários que contemplem a regionalização das atuais teles estaduais são preferíveis aos que contemplem apenas operadoras de abrangência nacional.

Cabe então analisar o tema da segunda pergunta, qual seja, a conveniência ou não de se limitar a quantidade de operadores admitidos no mercado. Em outras palavras, a questão é se se deveria buscar uma estrutura duopolística, ou se seria melhor deixar aberta a possibilidade de atuação no mercado a quantas empresas tiverem interesse.

Uma estrutura de duopólio aparenta algumas vantagens. Em primeiro lugar, ela permitiria um adequado planejamento do processo de outorga das novas concessões, em que o critério básico de seleção do vencedor seria baseado no nível de investimentos e no grau de cobertura propostos pelos concorrentes. Através da imposição de obrigações similares às teles regionais privatizadas, o órgão regulador teria, para cada região, dois planos bastante claros de atendimento ao mercado, podendo então monitorar adequadamente o desenvolvimento do setor em cada região do País. Em segundo lugar, com a competição limitada provavelmente não haveria guerras de preços, de modo que o retorno dos investimentos seria mais seguro, o que acabaria estimulando os investimentos. E, finalmente, com poucos concorrentes para controlar, a tarefa do órgão regulador seria facilitada, dando-lhe portanto condições de se estruturar adequadamente e adquirir a necessária capacitação.

Há riscos, porém. O investimento em infra-estruturas paralelas e a competição em preços reduz o valor do negócio de cada um dos duopolistas e, por essa razão, o comportamento mais provável de ambos será no sentido de uma composição que evite, ou reduza ao mínimo, esses inconvenientes. O resultado mais provável serão monopólios em regiões bem definidas, com alguma competição nas fronteiras entre essas regiões e pela conquista dos usuários mais rentáveis. Se, para enfrentar essa situação, o órgão regulador impuser aos novos operadores as mesmas obrigações que aos antigos, de forma que também eles tenham que prestar serviço aos consumidores independemente do lugar onde estes estejam, o resultado não mudaria, uma vez que essa restrição poderia ser contornada através de acordos entre os operadores para revenda de capacidade. Essas dificuldades mostram que, contrariamente à impressão original, o trabalho do órgão regulador seria muito maior, para assegurar o desenvolvimento da competição efetiva no mercado.

A não limitação da quantidade de novos operadores, associada à imposição de obrigações aos operadores antigos, em termos de investimentos na construção de infra-estrutura, pelo tempo necessário à consolidação de um mercado efetivamente competitivo, pode eliminar muitos dos problemas apontados para o caso do duopólio. Antes de mais nada, é necessário frisar que a imposição de obrigações aos operadores antigos, e a não imposição de obrigações equivalentes aos novos, não caracteriza uma situação de injustiça ou de desequilíbrio, uma vez que, na realidade, os operadores antigos terão um período de monopólio de fato, enquanto os novos constroem suas redes e se preparam para competir.

A não existência de uma estrutura duopolística rígida dificulta acordos entre os operadores para a divisão geográfica do mercado, porque sempre poderá haver uma nova empresa disposta a investir para atender a um mercado que apresente demanda não satisfeita. A interconexão livre, e a possibilidade dos novos operadores adquirirem, dos antigos operadores dominantes, acesso a suas redes nos pontos em que realmente tiverem necessidade, reduzirão os investimentos em infra-estruturas duplicadas. Esses dois aspectos deverão favorecer o crescimento da competição e, associados à remoção das obrigações impostas inicialmente aos antigos operadores dominantes, citadas no parágrafo anterior, permitirão que se tenha, a médio prazo, um mercado efetivamente competitivo e, portanto, requerendo menor intervenção do órgão regulador.

Dessa forma, fica claro que os cenários que não impõem limitação à quantidade de operadores parecem ser preferíveis aos que pressupõem tal restrição; portanto, cenários com estruturas duopolistas seriam desaconselhados.

Considere-se, agora, o tema da terceira pergunta. Do ponto de vista tecnológico, a separação entre serviços locais e de longa distância é arbitrária, desnecessária e potencialmente difícil de regular. Do ponto de vista econômico, quando não se tem restrições de natureza física, deve-se limitar o tanto quanto possível a imposição de limitações artificiais. Entretanto, historicamente tem havido essa separação e, considerando os sistemas atualmente em operação no mundo, é pelos serviços de longa distância que se tem maiores oportunidades de introduzir a competição nos serviços de telecomunicações.

Para atender a esse princípio, de não impor restrições artificiais e desnecessárias, mas também de criar condições para que se desenvolva efetivamente a competição e se tenha a universalização do acesso aos serviços, é mais adequado que se admita um certo grau de competição entre as empresas exploradoras dos serviços locais e as dos serviços de longa distância.

Avaliando a quarta e última questão anteriormente formulada, verifica-se que, em princípio, seria razoável supor que, para assegurar a competição justa, todos os operadores, novos e antigos, deveriam estar sujeitos às mesmas obrigações. Entretanto, considerando que os operadores antigos têm uma situação inicial de nítida vantagem em relação aos novos - dispõem de uma grande infra-estrutura instalada, têm milhares ou mesmo milhões de clientes, dispõem de um fluxo de caixa que lhes permite financiar parte substancial de suas necessidades de investimento, têm uma marca conhecida no mercado - conclui-se que é bastante razoável, e talvez mais do que isso, é necessário, que se imponham obrigações diferenciadas aos antigos e aos novos operadores, de forma a dar a estes últimos condições de se instalar e se desenvolver.

Com essas respostas, pode-se idealizar um cenário como sendo aquele mais aderente ao objetivo da reforma: divisão do Sistema TELEBRÁS em três a cinco empresas regionais e na EMBRATEL. As empresas regionais explorariam os serviços locais, interurbano intra-estadual e interestadual, dentro de sua área de concessão; a EMBRATEL exploraria os serviços intra-estadual, interestadual e internacional em todo o País. Haveria, portanto, competição entre as empresas regionais e a EMBRATEL. Essa competição não ocorreria, inicialmente, entretanto, nos serviços locais (restritos às empresas regionais e aos novos operadores) nem nos de longa distância inter-áreas de concessão e internacional (restritos à EMBRATEL e aos novos operadores). Os novos operadores, em número ilimitado, poderiam ser autorizados a prestar qualquer serviço em qualquer parte do País, à medida que as empresas atuantes nessa região estivessem privatizadas. Eles poderiam, portanto, gradualmente ir obtendo autorizações de região em região, até cobrirem todo o território nacional, quando não teriam qualquer restrição de atuação, nem geográfica nem de serviços.

É conveniente examinar o que seria, de fato, essa regulamentação diferenciada entre operadores antigos e operadores novos. Como visto, a consideração fundamental é que, desde a aprovação da nova Lei até um certo tempo após a outorga das primeiras novas licenças, os atuais operadores gozarão de um monopólio de fato, e mesmo depois que os novos operadores começarem a atuar, eles serão dominantes durante algum tempo, até que se atinja uma situação de mercado efetivamente competitivo. Como contrapartida, portanto, eles estarão sujeitos a uma regulamentação que objetiva reduzir o poder que detêm sobre o mercado, obrigando-os a atender requisitos de investimento, especialmente de caráter social. Essas obrigações, que serão removidas quando houver competição efetiva, seriam as seguintes:

a) continuidade do serviço: os operadores não podem interromper a prestação do serviço, a não ser em casos justificados;

b) atendimento: os operadores devem continuar expandindo sua rede de maneira a prestar serviço, dentro de prazos razoáveis, a quem os requisitar e estiver disposto a pagar tarifas comerciais que cubram os custos de capital e operacionais;

c) serviço universal: os operadores devem atender às metas iniciais de prestação do serviço universal, como definido pelo órgão regulador; entretanto, em caso de déficit nesse atendimento, este será rateado entre todos os participantes do mercado, através de um mecanismo adequado;

d) qualidade: o órgão regulador deverá estabelecer metas específicas de qualidade, bem como a metodologia de sua aferição, de forma a elevar o nível do setor a padrões internacionais dentro de um horizonte de tempo razoável;

e) tarifas: os operadores estarão sujeitos a regulamentação que vise evitar o aumento abusivo de preços para os consumidores e a prática de preços predatórios que impeçam a entrada de novos competidores no mercado. A maneira mais prática de se fazer isso é através do estabelecimento de um sistema de "teto de preços" (price cap system), em que uma "cesta" de serviços, em quantidades representativas da conta média dos consumidores, tem seu valor máximo estabelecido pelo órgão regulador. O operador tem alguma flexibilidade para alterar as tarifas de cada serviço individualmente, desde que o valor total da "cesta" fique abaixo do "teto" fixado pelo órgão regulador. Após um período inicial, é razoável também que o órgão regulador defina um fator de produtividade que incidirá sobre o valor da "cesta", reduzindo seu nível real, como forma de estimular o operador dominante a reduzir ainda mais suas ineficiências e assegurar que parte desses ganhos sejam transferidos aos consumidores;

f) separação contábil: os operadores deverão manter separação contábil para aqueles serviços prestados em regime de competição, de maneira a tornar seus custos transparentes para o órgão regulador, que assim poderá, com maior facilidade, averiguar a eventual existência de subsídios cruzados ou a prática de "dumping".

Com relação aos novos operadores, a premissa básica é que competirá ao órgão regulador garantir que cheguem ao mercado companhias confiáveis, comprometidas em atingir a visão que se pretende para o futuro cenário das telecomunicações no País. Assume-se também que, numa fase inicial, os novos operadores deverão estar sujeitos a uma regulamentação mais favorável, que aos poucos será modificada, de modo a se ter equilíbrio entre os novos e os antigos operadores. Dessa forma, a regulamentação inicial sobre os novos operadores deveria contemplar os aspectos a seguir:

a) demonstração de capacidade: ao se candidatarem a uma outorga, os pretendentes deverão demonstrar que dispõem da capacidade técnica e de marketing necessária para prestar serviços confiáveis, e de capacidade financeira suficiente para suportar a etapa inicial de altos investimentos com baixos retornos;

b) apresentação de plano de negócios viável: da mesma forma, antes de receber a outorga, os pretendentes deverão apresentar ao órgão regulador um plano de negócios razoável; tais planos serão acompanhados pelo órgão regulador, sendo atualizados sempre que necessário;

c) financiamento do serviço universal: todos os novos operadores deverão contribuir para o financiamento das obrigações de serviço universal. Numa etapa inicial eles não serão obrigados a prestar tais serviços, mas poderão sê-lo no futuro, contanto que os eventuais déficits sejam cobertos por contribuições de todos os operadores;

d) tarifas e qualidade: não haverá regulamentação específica sobre os novos operadores com relação a tarifas e qualidade. Entretanto, dado que os operadores dominantes terão esse tipo de regulação, as condições estabelecidas para estes acabarão servindo de parâmetro também para os novos operadores.

Para assegurar que a competição efetivamente se desenvolva, é necessário que o órgão regulador atente também para as prováveis tentativas dos operadores visando dominar o mercado. Uma das maneiras possíveis é a acumulação de outorgas para diferentes serviços na mesma ou em diferentes regiões; essa acumulação pode ser buscada por um mesmo operador ou por operadores distintos porém sob o mesmo controle acionário, direto ou indireto. Portanto, assegurar a efetiva diversidade de controle societário dos vários operadores será uma das tarefas essenciais da fase inicial da reforma.

Outro ponto importante a ser considerado pelo órgão regulador é a evolução da tecnologia e suas implicações em termos de redes e sistemas de telecomunicações, facilidades de interconexão e custos associados. Monitorar adequadamente essa evolução e tomar as medidas regulatórias necessárias à incorporação dos ganhos dela decorrentes, de maneira a beneficiar os consumidores, será essencial para assegurar a evolução satisfatória do processo de reforma.
 
 
 

6. A transição para o cenário desejado

Foi visto no item anterior que o cenário que melhor responderia aos objetivos estabelecidos para a reforma estrutural do setor de telecomunicações é aquele que contempla a divisão do País em um pequeno número de regiões (três a cinco), cada uma delas com uma empresa resultante da divisão do Sistema TELEBRÁS. Essas empresas prestariam os serviços locais e de longa distância dentro de suas respectivas áreas de concessão. Adicionalmente, a EMBRATEL continuaria atuando no País todo, prestando serviços de longa distância domésticos e internacionais. Os novos operadores seriam admitidos à medida que a privatização fosse avançando, de modo que, dentro de algum tempo, estariam operando em todo o País, sem restrições geográficas ou de serviços.

Cabem então duas questões:

a) qual estrutura regional seria mais adequada para as empresas que explorarão os serviços locais? e

b) como deve ser a evolução da estrutura de mercado, da situação atual de monopólio estatal, para a situação de competição idealizada no cenário descrito?

A resposta a essas questões será decisiva para assegurar a concretização do quinto objetivo descrito no item 2 deste Capítulo: maximizar o valor de venda das empresas estatais de telecomunicações, sem prejudicar os demais objetivos. Para esse trabalho, a equipe do Ministério das Comunicações apoiou-se nos estudos desenvolvidos conjuntamente com consultores internacionais, supridos pela UIT - União Internacional de Telecomunicações, visando definir as linhas básicas para a reestruturação empresarial e para a pivatização do Sistema TELEBRÁS.

A criação de companhias regionais deve levar a empresas fortes, capazes de focalizar seus investimentos dentro de suas respectivas regiões. Portanto, essas empresas deverão dispor de fluxo de caixa adequado, grande potencial de crescimento e oportunidade de atingir bons níveis de receita por acesso. Além disso, a regionalização deve levar em consideração a contigüidade geográfica e ser consistente com a topologia da rede atual, de modo a reduzir eventuais dificuldades de natureza político-administrativa e técnica.

Um aspecto importante a ser considerado, sem dúvida, é o da homogeneidade da região, que facilitará tanto a operação da empresa como a tarefa do órgão regulador, que não precisará adotar regras diferenciadas para uma mesma empresa, em função das variações no mercado que ela atende.

Por outro lado, a regionalização deve ser feita de modo a facilitar o processo de privatização. O programa de privatização do setor de telecomunicações no Brasil exibirá magnitude sem precedente nos mercados emergentes, e ocorrerá num momento em que serão demandados maciços investimentos para dotar o País da infra-estrutura necessária ao atendimento das necessidades da sociedade, conforme visto anteriormente.

Devido à limitação de capital nacional para o financiamento desses investimentos, observa-se que um fator importante para o sucesso de qualquer estratégia de privatização poderá ser a atração de parceiros estratégicos, com conhecimento operacional e tecnológico de alta qualidade, capazes de promover substanciais investimentos de capital de longo prazo e de reestruturar as operações atuais, de modo a viabilizar a ampliação da disponibilidade e da qualidade dos serviços prestados.

Esses potenciais operadores terão aproximadamente quinze outras oportunidades equivalentes de investimento no setor de telecomunicações de outros mercados emergentes nos próximos dois ou três anos, além das oportunidades naturalmente abertas pela liberalização e reestruturação dos mercados dos países desenvolvidos. Um grande desafio para o Brasil será, portanto, criar condições apropriadas para atrair investidores estratégicos de alta qualidade.

A existência de um número limitado desses investidores estratégicos, de alta qualidade e efetivamente comprometidos a investir substanciais volumes de recursos no setor de telecomunicações brasileiro, deve ser um dos fatores dominantes na decisão de reestruturar o Sistema TELEBRÁS em um pequeno número de empresas regionais.

Considerando o exposto, a opção que parece ser a melhor é a reestruturação do Sistema TELEBRÁS em três a cinco empresas regionais, mais a EMBRATEL. Esse modelo parece ser o mais adequado à medida que:

a) dá ensejo a uma combinação apropriada de negócios;

b) oferece escala de operação potencialmente atraente para investidores estratégicos de alta qualidade e com diferentes objetivos; e

c) permite a adoção de um mesmo aparato regulatório dentro de cada região.

Essa reestruturação levará, dadas as características sócio-econômicas do Brasil, à constituição de empresas diferentes em termos de atratividade para o investimento privado. Essa diferenciação possibilitará, entretanto, a adoção de estratégias também diferentes, em cada uma das regiões, de introdução da competição, que deverá ser mais rápida nos mercados mais atraentes, e um pouco mais lenta nas regiões menos atrativas.

Para que os objetivos da reforma sejam atingidos da forma mais plena possível, uma avaliação profunda dos pontos abordados anteriormente recomenda a adoção das seguintes linhas de ação:

a) o órgão regulador deverá ser criado antes da privatização e do início da competição, para garantir que, desde o começo, se tenha disponíveis a infra-estrutura e as habilidades necessárias à definição das regras de competição e à solução objetiva de conflitos;

b) a competição não deverá começar antes da privatização, de modo a dar às operadoras atuais condições de se prepararem para competir, dentro das fronteiras estabelecidas pelo órgão regulador, sem as restrições de gestão a que se encontram atualmente sujeitas, na condição de empresas estatais;

c) deverão ser realizados, conjugados com o processo de outorga das novas licenças, leilões de espectro, de modo a assegurar aos operadores, antigos e novos, oportunidade de acesso aos recursos de que necessitam para concorrer com sucesso;

d) as operadoras das regiões menos atrativas poderão contar com um período de proteção legal, antes do início da competição, para melhorar sua atratividade ao capital privado. Todas as regiões em que o Brasil vier a ser dividido terão, na prática, um período de monopólio de fato, devido ao tempo que os novos operadores precisarão para preparar sua infra-estrutura e para atrair consumidores. O período de proteção legal seria, portanto, adicional a esse prazo de monopólio de fato;

e) as restrições impostas aos operadores atuais serão removidas assim que forem atingidos objetivos de expansão do sistema e houver competição efetiva no mercado;

f) serão celebrados contratos de concessão com as novas companhias regionais e com a EMBRATEL, contendo os compromissos de parte a parte (operadora e poder concedente) que reflitam adequadamente as regras estabelecidas, conforme discutido anteriormente. Esses compromissos são relativos ao atendimento ao mercado, investimentos em infra-estrutura, qualidade, tarifas, interconexão e outros, por um lado, como exigência do poder concedente; por outro lado, são referentes a que mercados e que serviços podem ser explorados pela operadora, e quais condições de competição ela terá de enfrentar;

g) as licenças dadas aos novos operadores devem refletir, também, as regras estabelecidas; o principal ponto é o da vedação de competirem com empresas estatais, restrição esta que deixará de ter efeito à medida que as várias empresas regionais forem sendo privatizadas.

7. A questão da indústria e da tecnologia

Por se tratar de um setor intensivo em capital, e que se apóia fundamentalmente na tecnologia, o entrelaçamento das telecomunicações com assuntos industriais e tecnológicos é histórico. O próprio Código Brasileiro de Telecomunicações atribuía ao CONTEL a competência de "promover e estimular o desenvolvimento da indústria de equipamentos de telecomunicações, dando preferência àquelas cujo capital, na sua maioria, pertença a acionistas brasileiros", e de "estabelecer ou aprovar normas técnicas e especificações a serem observadas na planificação da produção industrial e na fabricação de peças, aparelhos e equipamentos utilizados nos serviços de telecomunicações" (Lei 4.117/62, artigo 29, incisos "r" e "s").

Desde a sua criação, a TELEBRÁS contava em sua estrutura com um Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento, que evoluiu em 1976 para uma Diretoria de Tecnologia, à qual se subordinou o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento - CPqD, instalado na cidade de Campinas, em São Paulo. Na década de 70, em que a política governamental baseou-se na substituição de importações, o poder de compra da TELEBRÁS foi utilizado como o principal instrumento de consolidação de um parque industrial no Brasil para a fabricação de equipamentos, materiais e sistemas de telecomunicações, em parte com a utilização de tecnologia desenvolvida localmente.

Essa política frutificou na década de 80, com a consolidação do CPqD através da ativação comercial de produtos lá desenvolvidos, como as centrais de comutação digital da família "Trópico", as fibras ópticas, o telefone padrão, as antenas de comunicações por satélite e os multiplexadores digitais para telefonia e para telegrafia. No final da década, mais de 95% dos investimentos da TELEBRÁS eram canalizados para gastos internos no Brasil, com as importações restritas apenas a alguns componentes especiais e a instrumentos de teste e medição.

O desenvolvimento de novos serviços de telecomunicações, especialmente suportados por tecnologias mais avançadas, e a abertura do mercado à competição, ocorridos no início dos anos 90 vieram, entretanto, alterar esse quadro. A exposição do setor industrial brasileiro à competição internacional, e os limites impostos pela legislação à utilização do poder de compra do Estado, diretamente ou através de suas empresas controladas, acabaram resultando em um aumento substancial do volume anual de importações do setor, que passaram dos 5% sobre os investimentos totais, observados no final dos anos 80, para cerca de 20% em 1996.

Com a abertura do setor de serviços de telecomunicações à competição, e com a privatização das empresas estatais nele atuantes, que ocorrerão em decorrência da aprovação deste Projeto de Lei, é de se esperar que esse quadro evolua em direção a uma maior pulverização das compras de equipamentos de telecomunicações, à busca por diferentes fontes de tecnologias e, conseqüentemente, a maiores volumes de importações. Há também o risco, a exemplo do que se observou em outros países, de se ter algum tipo de "desindustrialização", devido aos altos dispêndios em pesquisa e desenvolvimento necessários para manutenção da competitividade no setor e à pequena escala do mercado brasileiro para amortizar esses investimentos.

Certamente essa questão não é específica do setor de telecomunicações, ocorrendo situações similares em todos os campos de atividade que se suportam em elevado conteúdo tecnológico e em inversões maciças de capital.

O programa de governo de Vossa Excelência já manifestava preocupação com esse tema, ao formular diretrizes gerais para a economia ("Fortalecer o papel do Estado como coordenador do processo de desenvolvimento industrial, com o reforço da função de planejamento" e "Estimular o desenvolvimento da capacidade tecnológica para a inovação, com o aumento das atividades de pesquisa tecnológica e o desenvolvimento experimental em empresas e institutos de pesquisa") , para ciência e tecnologia ("Ampliar as fontes de financiamento para aplicação na geração e difusão de conhecimentos científicos e tecnológicos, em especial com recursos provenientes da privatização, da captação de recursos externos e do setor privado", "Manter programas especiais de apoio à melhoria da capacidade de inovação tecnológica da indústria, estimulando consórcios para o desenvolvimento de tecnologias pré-competitivas e criando mecanismos de apoio a projetos de capacitação industrial", "Apoiar a tecnologia competitiva através de incentivos, financiamentos, participação no capital de risco, fundos de risco compartilhado, fundos de formação e aperfeiçoamento de recursos humanos especializados, e financiamentos especiais para a construção e implantação de centros empresariais de pesquisa e desenvolvimento"), e para a própria área de telecomunicações ("Preservar a presença do setor público nas áreas estratégicas das comunicações e no desenvolvimento tecnológico").

Essas razões motivaram a inclusão, no Projeto de Lei, de disposições especiais sobre o tema, como será visto na parte seguinte.

III. O PROJETO DE LEI

Como já apontado na parte I desta Exposição de Motivos, determina a Constituição da República, em seu art. 21, inciso XI, que a competência da União para explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, serviços de telecomunicações, seja exercitada nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais.

O projeto que ora é submetido à apreciação de Vossa Excelência objetiva dar cumprimento a essa determinação constitucional. Assim, em face da especificidade da norma que embasa o delineamento do perfil jurídico de um novo ente, com status constitucional, e a organização de todo o sistema de telecomunicações, a orientação do Projeto é no sentido de figurar os diversos assuntos em um só diploma legal, denominado Lei Geral das Telecomunicações Brasileiras, compreendendo quatro livros, subdivididos em títulos, capítulos, e seções.

LIVRO I

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

Competindo à União, por intermédio de um órgão regulador, organizar a exploração dos serviços de telecomunicação - e aí se incluem a execução, a comercialização e uso dos serviços e a implantação e o funcionamento de redes de telecomunicações, bem como a utilização do espectro de radiofreqüências e dos recursos orbitais (art. 1.) - estabeleceu-se que o objetivo básico da regulação promovida pelo Estado deve ser a garantia do direito de toda a população de acesso às telecomunicações, a tarifas e preços razoáveis e condições adequadas. É o que prescreve o art. 2.°.

Esse objetivo básico, da universalização dos serviços, decorre do princípio constitucional da isonomia. O Projeto procurou aperfeiçoar a normatividade da Constituição da República, dando substância conceitual aos princípios fundamentais aplicáveis ao setor das telecomunicações. Para tanto, fez imperativa a adoção de medidas que possam ampliar o leque dos serviços, incrementar sua oferta e propiciar padrões de qualidade, na forma e condições que serão estabelecidas pelas metas específicas de universalização.

Em linha com a premissa de que o novo modelo institucional das telecomunicações brasileiras deve ter como referência os direitos dos usuários dos serviços, o art. 3. do Projeto relaciona esses direitos. Entre eles, o de acesso aos serviços de interesse coletivo, com padrões de qualidade e regularidade adequados à sua natureza, o da liberdade de escolha de seu prestador de serviço, o da inviolabilidade e do segredo da comunicação, e o da preservação de sua privacidade.

O art. 4.° elenca os princípios constitucionais que condicionam a validade da regulação, quais sejam: da soberania nacional, função social da propriedade, liberdade de iniciativa, livre concorrência, defesa do consumidor, redução das desigualdades regionais e sociais, repressão ao abuso do poder econômico e continuidade do serviço prestado no regime público.

Harmonizando os direitos do usuário e consumidor com o princípio da livre concorrência e da justa competição, o Estado, pelo órgão regulador, deverá ordenar as atividades privadas e organizar os serviços públicos de telecomunicações, compatibilizando-os com a necessidade de desenvolvimento econômico e social.

Nessa linha, há de se ter em conta que o princípio que rege a organização dos serviços de telecomunicação é o da livre, ampla e justa competição, cumprindo ao Poder Público impedir a monopolização do mercado e reprimir as infrações à ordem econômica, na busca do pleno acesso aos serviços que sejam de interesse coletivo. É disso que tratam os art. 5. e 6. do Projeto.

LIVRO II

O ÓRGÃO REGULADOR

TÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Quaisquer considerações que se queira fazer a propósito do delineamento do perfil jurídico do órgão regulador a que se refere o art. 21, XI, da Constituição da República, bem como de seu regime jurídico, devem repousar em algumas premissas extraídas do próprio sistema constitucional, conforme apontado a seguir.

A competência normativa da União, em matéria de telecomunicações (art. 22, IV e 48, XII da Constituição), não compreende apenas a edição de leis, mas também a edição de normas hierarquicamente inferiores, desde que não exorbitem do poder regulamentar (art. 49, V da Constituição Federal).

A regulamentação, em nível infra-legal, das atividades de telecomunicações - serviço público ou não - cabe ao Poder Executivo da União, exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de Estado. No caso, o Ministro das Comunicações (Constituição Federal, arts: 76; 84, IV, VI e parágrafo único; 87, parágrafo único, II). E agora, por força da Emenda Constitucional n° 8/95, está prevista a criação de um órgão regulador.

O órgão regulador a que se refere o art. 21, XI, da Constituição da República, terá a competência que a lei lhe assinalar, compreendendo, dentre outras atribuições, a de elaborar normas hierarquicamente inferiores às leis, bem como o de velar pelo cumprimento das normas disciplinadoras de telecomunicações, de todos os níveis hierárquicos, expedindo os atos administrativos cabíveis. A esse órgão pode ser e é atribuída, pelo Projeto, a responsabilidade pela outorga de concessões (incluindo a preparação e realização de procedimentos licitatórios) e permissões, pela expedição de autorizações, pela fiscalização, intervenção e aplicação de sanções.

As competências administrativas a serem exercitadas pela União em matéria de telecomunicações podem ser criteriosamente repartidas entre o Ministério das Comunicações estritamente considerado, e o órgão regulador, nos termos da lei. Mas também podem ser atribuídas, como faz o Projeto, precipuamente ao órgão regulador, reservado ao Poder Executivo o estabelecimento das políticas governamentais para o setor, e o que mais convier.

A expressão utilizada pelo art. 21, XI, da Constituição da República - órgão -, tem, no direito administrativo tradicional, o sentido de "parcela despersonalizada da Administração Pública", isto é, plexo de competências administrativas que constitui uma unidade desprovida de personalidade própria, devendo estar integrada na estrutura de uma pessoa jurídica. Esse órgão poderia ser dotado de maior ou menor autonomia, mas sempre integrado na estrutura administrativa do ente a que pertença, com todos os condicionamentos daí resultantes, inclusive de ordem financeira.

Todavia, para que assim devesse ser concebido o órgão regulador das telecomunicações, não haveria necessidade de expressa previsão constitucional.

Também não há que se cogitar de um órgão regulador vinculado ao Poder Legislativo, adotando por analogia a solução preconizada pelo art. 224 da Constituição. Essa solução, transplantada para o setor das telecomunicações, estaria eivada de inconstitucionalidade porque, devendo o órgão regulador exercer função administrativa em matéria de competência da União, sua vinculação ao Legislativo seria ofensiva ao princípio da separação dos Poderes. E se for despido de função administrativa não se atenderá ao comando constitucional.

A solução seria, portanto, conceber o órgão regulador como entidade dotada de personalidade jurídica, com fisionomia própria, inconfundível com os modelos tradicionais de entes governamentais de direito público, como seria o caso de mais uma simples autarquia ou fundação pública, ou de direito privado, como as empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações privadas da Administração.

Referidos modelos tradicionais não são os mais apropriados ao cumprimento do comando constitucional, que a eles não se refere, direta ou indiretamente, ao postular a criação de órgão regulador.

O modelo tradicional de pessoa jurídica de direito público implica necessária submissão a regime jurídico incompatível com atuação mais desenvolta do órgão regulador, que se quer dotado de independência e de flexibilidade gerencial indispensáveis à consecução de melhores resultados, de que aquele regime, no mais das vezes, é inibidor, porque acentuadamente burocrático. Demais disso, a unidade de regime jurídico entre o órgão regulador e a Administração Pública seria imprópria, pois aquele tem poderes inclusive sobre esta - basta mencionar que o Governo ainda manterá, durante certo tempo, embora curto, o controle de empresas de telecomunicações, que estarão sujeitas à jurisdição do órgão regulador.

O modelo de pessoa jurídica de direito privado, por sua vez, também não é apropriado, porque altamente questionável, juridicamente, a atribuição a esses entes de competências decisórias próprias do Estado, que consubstanciam exercício de autoridade pública, interferindo acentuadamente na esfera jurídica de terceiros, prestadores de serviços públicos e exploradores de atividades privadas, no setor de telecomunicações.

Portanto, o desejável seria a criação de um novo ente a exercitar competências de poder público, sem compromisso maior com o perfil tradicional dos entes governamentais em geral. Seria um ente do Estado, mas não integrante de sua administração pública, direta ou indireta, como atualmente concebida.

Esse novo ente, que seria uma Agência Reguladora Independente, teria natureza fiducial. A ele, a título de dar cumprimento à determinação constitucional, e na forma da lei, seriam atribuídas as prerrogativas de órgão regulador, que deve atuar com um grau de independência incomum, inusitado, que só se pode assegurar a ente que reúna condições de ser depositário de plena confiança e que, por essa mesma razão, responderá exemplarmente se acaso deixar de cumprir seus graves deveres institucionais, dentre eles os decorrentes do exercício da outorga de concessões e permissões de serviço público e da expedição de autorizações para exercício de atividades privadas pertinentes ao setor de telecomunicações.

A natureza fiducial, no campo dos negócios jurídicos, fundada no princípio da autonomia da vontade, sinônimo de confiança, conhecida desde o direito romano, confere, a quem se atribui a gestão de bens e direitos destinados à realização de determinados fins, ampla liberdade de ação e plena titularidade de direitos e prerrogativas voltados à consecução do escopo assinalado.

Assim sendo, essa nova entidade, instrumento de atuação da União, seria concebida com acentuado grau de independência, compatível com a função reguladora prevista na Constituição da República.

No caso, o que se atribuiria a essa entidade, concebida como Agência Reguladora Independente, de natureza fiducial, seria o dever de realizar o interesse público, dotada da independência que se deve assegurar a quem será depositária da confiança do povo, como instrumento de atuação do Estado, com a contrapartida da sua submissão, e de seus agentes, a mecanismos especiais de controle e eventual promoção de responsabilidade.

O Projeto, assim, seria altamente inovador, mas inspirado em clássica experiência jurídica, que se faria adaptar como técnica a ser utilizada pelo Estado na consecução de algumas de suas finalidades.

Entretanto, a possibilidade de que uma interpretação conservadora da Constituição - no sentido de que o fato de ela expressamente se referir ao órgão regulador das telecomunicações não conferiria a esse organismo, necessariamente, tal condição de autonomia - poderia significar algum risco à implementação da reforma, fez com que se procurasse, neste momento, uma proposta mais cautelosa.

Essa cautela, todavia, não significa que o órgão regulador não deva apresentar características especiais de independência que assegurem estabilidade à sua atuação - ou seja, normalidade regulatória -, de forma a transmitir ao mercado a credibilidade necessária à atração de investimentos privados para o setor.

Tais características relacionam-se, basicamente, à independência decisória (isto é, cabe ao órgão regulador a decisão administrativa final sobre os assuntos de sua competência, e seus dirigentes têm mandato fixo), à autonomia de gestão (essencialmente no tocante aos procedimentos de licitação para compras e para as outorgas, e quanto à administração de recursos humanos) e à autonomia orçamentária e financeira.

Esse acentuado grau de independência do órgão regulador justifica-se em razão das graves responsabilidades que se lhe atribuem.

A efetiva observância das normas disciplinadoras das telecomunicações pelos operadores do setor, e que o órgão regulador deve aplicar, só será possível se esse organismo tiver condições de atuar com desassombro, pois o universo de seus destinatários compreende até mesmo, e por ora, empresas estatais de elevado porte, bem como compreenderá operadores da iniciativa privada detentores de grande poder econômico.

Ademais, o novo modelo proposto como órgão regulador das telecomunicações vem ao encontro também de uma nova concepção do próprio Estado e dos papéis que a ele devem ser reservados. Integra, assim, um conjunto mais abrangente de instrumentos de atuação do Estado cujo novo perfil, num processo mesmo de sua reinvenção, a sociedade em geral está a exigir. Esse novo perfil não pode deixar de privilegiar mecanismos que assegurem a maior transparência possível, condição indispensável ao adequado controle de sua atuação pela sociedade, por suas entidades representativas, e pelo próprio cidadão.

Assim inspirado, o Projeto cria, nos seus arts. 7. e 8., a Agência Brasileira de Telecomunicações como autoridade administrativa independente, integrada porém à Administração Federal Indireta, vinculada ao Ministério das Comunicações. Dá, assim, cumprimento ao preceito constitucional de entregar a regulação das telecomunicações brasileiras a um órgão que se quer independente, disciplinando o processo de sua instalação, bem como seu funcionamento, suas competências e sua extinção.

Em razão mesmo desse peculiar perfil que ao órgão regulador se quer atribuir, o Projeto de Lei ora encaminhado a Vossa Excelência cria referido ente não como mais uma dentre tantas pessoas jurídicas de capacidade exclusivamente administrativa, mas sim como entidade submetida a regime autárquico especial.

A instalação da Agência ficará a cargo do Poder Executivo. Seu Regulamento, aprovado por Decreto do Presidente da República, estabelecerá a estrutura geral e as atribuições dos diversos organismos internos da Agência, e sua edição caracterizará a instalação do órgão (art. 9.).

A Agência disporá, como órgãos superiores, do Conselho Diretor e do Conselho Consultivo, o primeiro sendo seu organismo máximo. Haverá também Procuradoria, Corregedoria, Biblioteca e Ouvidoria, sem prejuízo da criação de outras unidades, necessárias ao desempenho das diferentes funções. A Agência terá sede no Distrito Federal, podendo estabelecer unidades regionais.

Os arts. 10, 11 e 12 tratam dos recursos humanos da Agência, criando seus cargos em comissão de natureza especial e de direção, gerência e assessoramento. Além disso, a Agência poderá requisitar, com ônus, servidores de outros órgãos e entidades da administração, requisições essas que serão irrecusáveis nos dois primeiros anos após sua instalação.

Conforme prevê o art. 13 do Projeto, as dotações orçamentárias da Agência, bem como a programação orçamentária e financeira de sua execução, observarão o seu planejamento próprio, para sua inclusão na lei orçamentária anual, não sofrendo limites em seus valores para movimentação e empenho.

As despesas decorrentes da instalação da Agência serão realizadas pelo Poder Executivo, através do Ministério das Comunicações, que poderá utilizar, remanejar e transferir saldos orçamentários, bem como usar recursos do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações - FISTEL, conforme estipula o art. 14.

Por outro lado, instrumento que será de atuação do Estado, somente poderá ser a Agência extinta por lei específica, hipótese em que reverterão à União seus bens e competências (art. 15).

TÍTULO II

AS COMPETÊNCIAS

À Agência caberá regular as telecomunicações, exercendo o poder concedente dos serviços públicos e a administração ordenadora das atividades privadas.

Em se constituindo como pessoa jurídica sob regime autárquico especial, com competências e funções especificadas no Projeto, que têm como fundamento último de validade a própria Constituição da República, deve o órgão regulador gozar das prerrogativas e sofrer as restrições inerentes às funções que lhe serão cometidas.

O art. 16 do Projeto discrimina as principais competências da Agência, indispensáveis ao cumprimento de suas finalidades institucionais. Entre elas, expedir normas disciplinadoras da prestação e fruição dos serviços de telecomunicações no regime público, bem como os correspondentes atos de outorga, e expedir regras disciplinadoras das atividades de telecomunicações no regime privado, com as respectivas autorizações.

Entre tais normas disciplinadoras estarão as referentes à interconexão, à administração dos planos fundamentais de sinalização, transmissão, sincronismo e numeração, e outras. O Projeto dá, assim, adequada flexibilidade à atuação do órgão regulador de modo a permitir-lhe incorporar os benefícios decorrentes da evolução tecnológica, em proveito da competição e dos consumidores.

Quanto aos atos de outorga, o Projeto prevê que à Agência caberá tanto a sua edição como também, nos casos de serviços explorados em regime de concessão ou permissão, a celebração e o gerenciamento dos correspondentes contratos. A ela competirá, também, promover a declaração de utilidade pública, para fins de desapropriação ou instituição de servidão administrativa, dos bens necessários à implantação ou manutenção do serviço no regime público.

Caberá também à Agência administrar o espectro de radiofreqüências e o uso de satélites de telecomunicações, expedindo a regulamentação associada, editando os correspondentes atos de outorga e fiscalizando a sua exploração.

À Agência caberá ainda propor ao Presidente da República, por intermédio do Ministro das Comunicações, o estabelecimento e as alterações das políticas governamentais para o setor, com seus respectivos planos de implementação.

Corolário do exercício das competências que são atribuídas à Agência é o acompanhamento, por ela, das atividades e práticas comerciais no setor de telecomunicações, com a fixação, controle e acompanhamento das tarifas dos serviços prestados no regime público, bem como com poderes de controle, prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, respeitadas as competências do CADE.

Como expressão maior de sua independência, caberá à Agência arrecadar e aplicar suas receitas, bem como decidir em último grau sobre as matérias de sua alçada.

Caberá à Agência, também, resolver administrativamente sobre a interpretação da legislação de telecomunicações, prover sobre os casos omissos e compor, na esfera administrativa, conflitos de interesse entre prestadores de serviços de telecomunicações.

Por fim, à Agência caberá adotar todas as medidas que forem necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações.

Exercendo esse conjunto de competências, a Agência terá plenas condições de regular adequadamente o setor de telecomunicações e, fazendo-o de forma competente e transparente, construir a necessária credibilidade para estimular os investimentos privados, nacionais e estrangeiros, que viabilizem o atendimento às necessidades da sociedade brasileira.

Por outro lado, o Projeto atribui expressamente ao Poder Executivo, no seu art. 17, competência para estabelecer e rever as políticas governamentais para o setor, a partir das propostas fomuladas pela Agência. As principais atribuições, temas dessas políticas, listadas no Projeto, são as seguintes:

a) instituir ou eliminar a prestação de modalidade de serviço no regime público, com ou sem caráter de exclusividade, e definir as modalidades a ser prestadas no regime privado. Assim, o Poder Executivo estará decidindo quais serviços serão explorados em regime de concessão, permissão ou autorização, de modo a tornar possível graduar a aplicação, a cada modalidade de serviço, dos dois princípios básicos da reforma estrutural, mencionados na parte II desta Exposição de Motivos, quais sejam, a competição na exploração dos serviços e a universalização do acesso aos serviços básicos;

b) aprovar o plano geral de outorgas dos serviços prestados no regime público. Dessa forma, o Poder Executivo estará exercendo sua competência constitucional, decidindo, em nome da União, o momento das outorgas para que os serviços sejam explorados em regime de concessão ou permissão. A execução do processo correspondente, culminando com a edição dos atos de outorga propriamente ditos, será então mero procedimento administrativo a ser desenvolvido pelo órgão regulador;

c) aprovar o plano geral de metas para universalização dos serviços prestados no regime público. Com isso, será possível reduzir ou ampliar os objetivos de universalização e as obrigações de serviço universal, conseqüentemente reduzindo ou aumentando os seus custos e as respectivas necessidades de financiamento, definindo também as fontes de recursos para esse fim;

d) estabelecer limites à participação estrangeira no capital de prestadora de serviço de telecomunicações. Esses limites poderão ser definidos por modalidade de serviço, ser adotados em casos específicos, na base da reciprocidade, ou mesmo não existir, dependendo do interesse nacional. A previsão legal dessa faculdade dá ao Governo a flexibilidade necessária à gestão do assunto;

e) autorizar a participação de empresas brasileiras em organizações ou consórcios intergovernamentais destinados ao provimento de meios ou à prestação de serviços de telecomunicações. Essa faculdade é necessária porque, nos casos em pauta, as empresas brasileiras estariam, na prática, atuando em nome do Governo Brasileiro.

TÍTULO III

OS ORGANISMOS SUPERIORES

Capítulo I

O Conselho Diretor

O órgão máximo da Agência será composto por cinco Conselheiros (art. 18), devendo suas decisões ser tomadas por maioria absoluta, salvo previsão regulamentar mais exigente.

As sessões do Conselho Diretor serão registradas em atas, que ficarão disponíveis para conhecimento geral na Biblioteca do órgão, a não ser que haja necessidade de sigilo, por razões pertinentes à preservação da segurança do país, a segredo protegido ou à intimidade de alguém (art. 19).

O art. 20 do Projeto discrimina a competência do Conselho Diretor, tanto no que concerne ao próprio órgão, quanto às pertinentes ao cumprimento de suas finalidades institucionais.

Quanto ao próprio órgão, merecem destaque: aprovação do regimento interno da entidade; modificação do Regulamento, a ser submetida à aprovação do Presidente da República; autorização de terceirizações; autorização para aquisição e alienação de bens; e aprovação, para sua instrumentalização, de regras próprias de licitações e contratos.

No que concerne ao cumprimento das finalidades institucionais da Agência, cabe ao Conselho Diretor: propor o estabelecimento e alteração das políticas governamentais a respeito de telecomunicações; editar atos de conteúdo normativo e de caráter geral disciplinando a aplicação das leis de telecomunicações; decidir sobre todos os atos importantes no procedimento de outorga de concessões e permissões para exploração de serviço no regime público, tais como aprovar editais de licitação, homologar as adjudicações, autorizar renovação e transferência de outorgas, bem como decretar intervenção, encampação, caducidade e prorrogação; aprovar o plano geral de autorizações de serviços prestados no regime privado; aprovar editais de licitação, homologar adjudicações, aprovar os atos de outorga, bem como decidir sobre a prorrogação ou renovação, a transferência e a extinção em relação às autorizações para prestação de serviço em regime privado, na forma do regimento interno; aprovar os planos de destinação de faixas de radiofreqüências e dos recursos orbitais; e aprovar os planos fundamentais para redes de telecomunicações, na forma do regimento interno.

O Conselho Diretivo deverá ter condições de exercer suas funções livre de amarras externas, inclusive no que diz respeito ao Governo, ressalvadas as competências a ele reservadas. Buscando assegurar essa independência, os Conselheiros serão brasileiros de reputação ilibada, formação universitária e elevado conceito no campo de sua especialidade, devendo ser escolhidos pelo Presidente da República e submetidos à aprovação do Senado Federal (art. 21).

Para otimizar e agilizar o início das atividades do órgão regulador, o Projeto investe os cinco primeiros Conselheiros com mandatos de três, quatro, cinco, seis e sete anos, conforme determinado pelo decreto de investidura.

Assim, como os mandatos dos subseqüentes Conselheiros serão de cinco anos, haverá anualmente a nomeação de um membro do Conselho Diretor, como forma de permitir a permanente renovação parcial e periódica do colegiado, com a constante participação dos Poderes Executivo e Legislativo. Nessa mesma linha, procurando evitar a formação de feudos decisórios, permite-se apenas uma recondução dos Conselheiros (arts. 22 e 23).

Conquanto não sejam servidores estáveis ou vitalícios, o Projeto confere aos Conselheiros garantias especiais para a permanência na função e exercício do mandato com a impessoalidade devida, restringindo a sua perda aos casos de renúncia, ou por força de decisão judicial definitiva, ou ainda em decorrência de processo administrativo disciplinar, caso em que caberá ao Presidente da República determinar o afastamento preventivo, quando for o caso, e proferir o julgamento (art. 24).

A substituição dos Conselheiros, nos casos de impedimento e vacância, será disciplinada pelo Regulamento, conforme dispõe o art. 25 do Projeto.

Os Conselheiros, muito embora não integrantes do aparelho estatal em sua estrutura direta, fazem parte da categoria ampla de "agentes públicos", devendo, pois, atuar com independência funcional, prerrogativas e responsabilidades próprias.

A concretização da independência da Agência repousa, por certo, na independência dos membros de seu órgão máximo, daí porque se lhes proibiu o exercício de qualquer outra atividade profissional, empresarial, sindical ou de direção político-partidária, bem como que tenham interesse significativo, direto ou indireto, em empresa da área da telecomunicações ou a ela relacionada (art. 26). Seguindo a tradição constitucional, abriu-se-lhes, como exceção à regra proibitiva, a possibilidade de exercício de cargo ou emprego de professor universitário, desde que presente a compatibilidade de horário com as funções de Conselheiro.

Procurando assegurar atuação imparcial e independente da Agência, o art. 28 do Projeto proíbe o ex-Conselheiro, até um ano após deixar seu posto, de representar qualquer pessoa ou interesse perante o órgão regulador, ou usar, em favor de qualquer empresa ou entidade, informações privilegiadas obtidas em decorrência de suas antigas funções. Para coibir tal comportamento, estabeleceu-se que o desrespeito à proibição tipifica ato de improbidade administrativa (art. 9.° da Lei n. 8.429/92).

O Conselho Diretor será presidido pelo Presidente que, nomeado pelo Presidente da República, terá funções de direção, representando externamente a entidade e exercendo o comando hierárquico sobre o pessoal e o serviço (arts. 29 e 30). A representação judicial da Agência será exercida por sua Procuradoria.

Capítulo II

O Conselho Consultivo

Como forma de efetivar a participação dos Poderes do Estado e da sociedade na fiscalização do órgão regulador, concebeu-se o Conselho Consultivo, organismo composto de representantes dos Poderes Legislativo e Executivo e de entidades representativas da sociedade, conforme definido no Regulamento (art. 32).

Caberá ao Conselho Consultivo opinar sobre o plano geral de outorgas e o plano de metas para universalização dos serviços públicos, aconselhar quanto à instituição ou eliminação da prestação de um serviço no regime público, e conhecer dos relatórios anuais do Conselho Diretor (art. 33).

Os membros do Conselho Consultivo não serão remunerados e terão mandato de três anos, vedada a recondução. Os mandatos dos primeiros membros do Conselho serão de um, dois e três anos, de forma que o Conselho tenha anualmente a renovação de um terço de seus membros (art. 34).

TÍTULO IV

A ATIVIDADE E O CONTROLE

O projeto traça as linhas mestras que devem orientar a atuação da Agência, comprometida com as modernas exigências de uma administração que se quer livre do esclerosamento burocrático de que tanto se ressente a administração pública em geral.

Impõe-se, na gestão da Agência, uma atuação inspirada no modelo que se costuma designar como gerencial, com traços característicos que, sem prejuízo da necessária formalização de atos e procedimentos, do indispensável processo, não permitam o formalismo despropositado, comprometedor da agilidade e da eficiência do órgão regulador.

Sem embargo do controle mediante processo, indissociável da atuação do Estado no exercício de suas funções normativas e ordenadoras, deve ser encarecida a importância do controle por resultados. De nada adianta uma atuação escorreita, do ponto de vista legal, substancial e formal, se os resultados que a Agência deve buscar não forem sendo paulatinamente alcançados.

A consecução das finalidades que lhe são assinaladas é que justifica a criação e atuação da Agência. Os resultados é que constituem, por excelência, a medida de sua eficiência. Resultados dotados da melhor qualidade possível, e que demandam flexibilidade operacional que pode ser obtida valendo-se, parcimoniosamente, inclusive da terceirização - decisão da alçada do Conselho Diretor, como visto anteriormente (art. 20).

Voltada ao atendimento do interesse da sociedade de pleno acesso às telecomunicações a tarifas, preços e condições razoáveis, a atuação da Agência deverá ser pautada pelos princípios da legalidade, finalidade, razoabilidade, proporcionalidade, impessoalidade, igualdade, devido processo, publicidade e moralidade (art. 36).

Cria o Projeto um mecanismo simples para dar transparência e publicidade aos atos e documentos da Agência, que deverão ser abertos a qualquer pessoa. O direito de vista, de certidão e de informação será, assim, implementado de forma totalmente desburocratizada, bastando uma consulta na Biblioteca do órgão. Fogem desse procedimento os documentos e os autos que, por motivos indicados no Projeto, não possam ser abertos à consulta do público (art. 37).

Para garantir a transparência, as decisões da Agência deverão ser sempre motivadas (art. 38), produzindo efeitos apenas após sua publicação no Diário Oficial da União, no caso de atos normativos, ou notificação, no caso de atos de alcance particular (art. 39) .

No exercício de suas competências, terá o órgão que respeitar prazos, estabelecidos na lei, para praticar atos administrativos e adotar providências necessárias à sua aplicação, garantindo a manifestação prévia de interessados e permitindo, nos procedimentos sancionatórios, a prévia e ampla defesa do acusado.

Como já visto, terá a Agência competência para editar atos normativos de caráter geral, minudenciando os delineamentos impostos pelas leis de telecomunicação, para ensejar sua fiel execução, bem como pelos decretos que forem baixados pelo Presidente da República.

Terá a Agência, portanto, um poder normativo infra-legal sobre o setor de telecomunicações, exercendo-o com o auxílio da sociedade, que deverá ser ouvida, necessariamente, através do mecanismo de consulta pública, formalizada por publicação no Diário Oficial da União, e na qual as críticas e sugestões recebidas merecerão exame, permanecendo à disposição do público na Biblioteca (art. 40).

Para ressaltar e dar efetividade ao controle externo da Agência, no que diz respeito à legalidade, legitimidade e economicidade de seus atos, prevê o art. 41 do Projeto a existência de um Ouvidor, a ser nomeado pelo Presidente da República, com a função de produzir relatórios críticos a respeito da atuação da Agência. Será um ombudsman a encaminhar suas críticas ao Conselho Diretor, ao Conselho Consultivo, ao Poder Executivo e ao Congresso Nacional, fazendo-as publicar para conhecimento geral. Terá mandato de dois anos, admitida uma recondução.

À Corregedoria caberá acompanhar o desempenho dos servidores da Agência, avaliando sua suficiência, o cumprimento dos deveres funcionais e realizando os processos disciplinares (art. 42).

TÍTULO V

AS RECEITAS

Como mencionado anteriormente, é essencial, para garantia da efetiva independência do órgão regulador, que ele tenha autonomia financeira. Esse tema já foi abordado no art. 16 do Projeto, que confere à Agência poderes para arrecadar e aplicar suas receitas, e no art. 14, que transfere à Agência as obrigações e direitos do Ministério das Comunicações correspondentes às competências a ela atribuídas pela nova lei.

Isso, entretanto, não é suficiente. É necessário ir além, definindo especificamente as fontes das receitas, de maneira que elas possam efetivamente gerar recursos em montante suficiente para custear as atividades da Agência, tanto as suas despesas correntes como seus investimentos patrimoniais.

Tratando-se o setor de telecomunicações de um dos segmentos mais dinâmicos da economia, nada mais natural que se busque, nele mesmo, essas fontes dos recursos a serem usados em sua regulação. Considerando os benefícios econômicos que os agentes privados extrairão das concessões, permissões e autorizações que obtiverem para os serviços de telecomunicações, é perfeitamente válido definir que essas outorgas se dêem a título oneroso, de maneira a se estabelecer um vínculo direto entre tais benefícios e o custeio das atividades regulatórias.

Considerando, adicionalmente, que o poder de outorgar é da União, é decorrência natural desse raciocínio que os ônus impostos às outorgas resultem em receitas para a União, e que, tendo esta, através da Lei ora proposta, incumbido a Agência de exercer as atividades específicas de regulação do setor - em cumprimento ao mandamento constitucional - , por meio desse mesmo instrumento atribua à Agência essas receitas.

O art. 43 do Projeto, portanto, autoriza a União a cobrar pela concessão, permissão ou autorização para a exploração de serviços de telecomunicações e para o uso de radiofreqüências - seguindo o preceito previsto pelo art. 26, inciso III, da Lei n. 9.074, de 7 de julho de 1995, e repetindo disposição contida no art. 14 da Lei n. 9.295, de 19 de julho de 1996 -, determinando que o produto dessa arrecadação constitua receita da Agência.

Em adição, e uma vez que à Agência caberá também a atividade fiscalizadora da prestação dos serviços, o Projeto estabelece, em seu art. 44, que constituirá receita da Agência também o produto da arrecadação das taxas de fiscalização.

Dependendo de como ocorrerem as cobranças pelas concessões, permissões e autorizações - se na forma de quantias predeterminadas, à vista ou a prazo, ou se na forma de percentuais sobre o faturamento - é possível que as receitas delas decorrentes apresentem fluxo irregular, em função do ritmo em que essas outorgas ocorrerem, e dos valores dos negócios a que elas se referirem. Haveria, portanto, o risco de, num determinado ano, as receitas superarem de muito as necessidades da Agência e, noutro, de ficarem muito aquém delas. Trata-se, certamente, de um risco de todo indesejável.

Para reduzi-lo, portanto, o Projeto preconiza, em seu art. 45, que a Agência estabeleça, anualmente, o seu orçamento, considerando o planejamento de suas receitas e despesas num horizonte de cinco anos e buscando o equilíbrio orçamentário e financeiro durante todo o período. Assim, os eventuais excessos de receitas de um ano seriam utilizados para suprir as necessidades de recursos nos anos subseqüentes, devendo a Agência transferir ao Tesouro Nacional o saldo remanescente.

De modo a permitir uma gestão adequada dos recursos assim arrecadados por parte da Agência, a melhor solução seria a constituição de um fundo especial. Considerando, entretanto, as limitações constitucionais hoje existentes quanto a essa proposta (exigência de lei complementar), e que já existe um fundo específico para o setor - o FISTEL, Fundo de Fiscalização das Telecomunicações, criado pela Lei n. 5.070, de 7 de julho de 1966, e mantido pela Lei n. 9.295, de 19 de julho de 1966 (art. 15) - a solução preconizada pelo Projeto é a passagem desse fundo para a administração exclusiva da Agência, a partir de sua instalação (art. 46).

O FISTEL, entretanto, de acordo com a lei de sua criação, não contempla a possibilidade de inclusão, entre suas fontes, das receitas decorrentes das cobranças pelas outorgas. Da mesma forma, a aplicação de seus recursos é restrita à fiscalização dos serviços. Para adequá-lo, portanto, à utilização preconizada, cuida o Projeto, em seu art. 47, de alterar alguns dispositivos da Lei n. 5.070/66.

Dentre essas alterações, cumprem ser citadas as do art. 2., para inclusão, entre as fontes, daquelas relativas ao exercício do poder concedente dos serviços de telecomunicações no regime público, ao exercício da atividade ordenadora da exploração dos serviços de telecomunicações no regime privado, e da expedição de autorização para uso de radiofreqüências para qualquer fim. Essas receitas, a Lei n. 9.295/96 expressamente destinou à cobertura dos custos do exercício das atribuições de órgão regulador, pelo Ministério das Comunicações. Além dessas, são incluídas também as receitas provenientes da venda de publicações, dados e informações técnicas, inclusive aquelas utilizadas nas licitações realizadas pela Agência.

Por outro lado, a nova redação proposta para o art. 3. da Lei n. 5.070/66 permite a utilização de recursos do FISTEL para atender as despesas de custeio e de capital que a Agência vier a realizar no exercício da competência que lhe é conferida pela lei.

Essas alterações, por certo, não se constituem em qualquer desvirtuamento dos objetivos do FISTEL. De fato, independentemente das alterações institucionais que estão ocorrendo no setor, principalmente em decorrência da aprovação do Projeto de Lei ora proposto, a própria evolução da tecnologia nos últimos anos, associada às perspectivas para o futuro próximo, traz profundas implicações sobre o conceito de fiscalização predominante à época da aprovação da Lei n. 5.070, trinta anos atrás. Hoje não há como dissociá-lo do extremo dinamismo que se observa na tecnologia, na evolução das aplicações que ela viabiliza, e nas necessidades dos consumidores, de modo que é fundamental considerar-se também, dentro do mesmo conceito, as necessidades de atualização da regulamentação e a correspondente instrumentalização do aparato fiscalizatório, através de investimentos em equipamentos, instalações e demais facilidades.

Em adição, trata o art. 48 de atualizar os valores das taxas de fiscalização, enquanto o art. 49 cuida dos preços de serviços prestados pelo órgão regulador, não considerados na versão original, mas que têm se revelado, ao longo do tempo, de grande importância na composição dos custos do Ministério das Comunicações no exercício dessa função.

Finalmente, cuida o Projeto, em seu art. 50, de transferir para a Agência, a partir de sua instalação, tanto os saldos existentes do FISTEL, inclusive as receitas que sejam resultado da cobrança a que se refere o art. 14 da Lei n. 9.295/96 (pela outorga de concessão para exploração do serviço móvel celular, por exemplo), como a responsabilidade pelo pagamento dos compromissos decorrentes de processos em andamento, incluindo os empenhados, ligados a atividades que lhe estejam sendo transferidas pela Lei.

TÍTULO VI

AS CONTRATAÇÕES

Em face mesmo da peculiar natureza da Agência Brasileira de Telecomunicações, concebida para atuar com a maior flexibilidade gerencial, não há como deixar de inovar quanto à disciplina de sua atividade contratual, obedecidos os dispositivos da Constituição (art. 37, XXI) de igualdade de condições a todos os concorrentes.

Nesse sentido, cuida o Projeto, nos artigos 51 a 56, das contratações destinadas à instrumentalização da Agência, estabelecendo regime próprio para as licitações com referido escopo, sem embargo da preservação do regime comum à Administração Pública em geral, hoje consubstanciado na Lei n.° 8.666, de 21 de junho de 1993, quanto ao procedimento das licitações pertinentes a obras e serviços de engenharia civil.

Portanto, exceto para contratação de obras e serviços de engenharia civil, o procedimento das licitações destinadas à instrumentalização da Agência poderá obedecer regras próprias, constituindo modalidades de certame a consulta e o pregão (art. 51).

Essas novas modalidades de licitação deverão ser, consoante prevê o art. 52 do Projeto, disciplinadas pela Agência, observadas as disposições da Lei em que o Projeto se converter. E este elenca regras que visam a assegurar a observância de princípios fundamentais como os da instrumentalidade das formas, vinculação ao instrumento convocatório do certame, julgamento objetivo, publicidade, devido processo, dentre outros.

Contém o Projeto, ainda, em seu art. 52, a premissa de que a finalidade do certame é, por meio de disputa justa entre interessados, obter um contrato econômico, satisfatório e seguro para a Agência. E, quanto ao instrumento convocatório, estabelece diretrizes no que tange à definição do objeto, qualificação dos proponentes, aceitação de propostas e julgamento. Adicionalmente, preconiza que, em função da especificidade da Agência, somente sejam aceitos certificados de registro cadastral por ela expedidos, devendo o cadastro estar permanentemente aberto à inscrição dos interessados.

Em resumo, o Projeto confere à Agência autonomia para elaborar as regras disciplinadoras de suas licitações, estabelecendo, todavia, as necessárias balizas, de sorte a prestigiar o caráter cogente dos princípios e regras mais gerais a serem preservados.

Na seqüência, o Projeto dá a configuração da consulta e do pregão. Essas modalidades de licitação não se traduzem em simples alteração de nomenclatura. Comparadas com as modalidades tradicionais de certames licitatórios evidenciam inovações que, em razão mesmo da experiência haurida com a aplicação da Lei n. 8.666/93, estão voltadas à implementação de um modelo gerencial de atuação do órgão regulador.

O pregão é a modalidade de certame a ser adotada para fornecimento de bens e serviços comuns, em que concorrentes previamente cadastrados deverão fazer lances em sessão pública (art. 53).

Conquanto essa restrição do pregão, em princípio, apenas a concorrentes previamente cadastrados, prevê o art. 54 do Projeto sua abertura à participação de qualquer interessado, com verificação, a um só tempo, da qualificação subjetiva de cada qual e da aceitabilidade das respectivas propostas, após a etapa competitiva, nos casos de contratação de bens e serviços comuns de alto valor, ou quando o número de cadastrados na classe for inferior a cinco, ou para o registro de preços, por exemplo.

Já a consulta é a modalidade de certame a ser adotada para fornecimento de bens e serviços diferençados, isto é, aqueles que não são nem de engenharia civil, nem comuns. Exemplos são os serviços técnicos especializados como os de consultoria, auditoria e pesquisa, ou o fornecimento de equipamentos e sistemas especiais, como os destinados à radiomonitoragem, etc. Participarão dela apenas os que forem consultados, e a decisão ponderará o custo e o benefício de cada proposta, tendo em consideração a qualificação do proponente.

Vê-se, portanto, que serão avaliados em conjunto os elementos subjetivos, objetivos e comerciais das propostas dos consultados, rompendo-se assim, também, com o tradicional modelo que separa nitidamente as fases de habilitação de licitantes e de classificação das propostas, na busca de maior rapidez e eficiência, e do melhor resultado (art. 55).

Objetivando evitar burocratização, agilizar desempenho e usufruir de experiência profissional externa, a Agência poderá utilizar, mediante contrato, técnicos ou empresas especializadas, bem como consultores independentes e auditores externos, para qualquer atividade de sua alçada que não envolva tomada de decisão (art. 56), como a fiscalização de serviços, o desenvolvimento de normas regulamentares, a realização de procedimentos licitatórios e outros correlatos.

LIVRO III

ORGANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES

TÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Serviços de telecomunicações, em princípio, constituem serviço público na acepção jurídico-constitucional-administrativa da expressão, sendo dever da União assegurar sua prestação, diretamente ou mediante outorga a terceiros, sem prejuízo, portanto, da sua titularidade quanto aos mesmos.

A lei, a ser editada pela União (conforme art. 22, IV da Constituição Federal), pode distinguir, ou permitir que por normas inferiores sejam relacionadas, dentre as possíveis operações tecnicamente qualificáveis como telecomunicações, e em razão mesmo de critérios que referida lei estabelecer, as que são qualificadas como serviço público e as que não são. As que não qualificar como serviço público poderão ser realizadas e exploradas economicamente pela iniciativa privada, como direito e não como dever, desde que observadas as exigências legais pertinentes à matéria, e mediante prévia autorização que a lei porventura exija. Servem de exemplo para esse caso os setores de energia elétrica e transportes, que já comportam distinções quanto ao que constitui ou não objeto de concessão.

Tanto as operações de telecomunicações que forem qualificadas como serviço público, quanto as que assim não forem, estando sujeitas, com maior ou menor intensidade, à disciplina normativa de competência da União, devem ser por esta fiscalizadas. Os operadores de telecomunicações, em ambos os setores, ficam submetidos, assim, e nos termos da lei, à autoridade da União, que atuará ora como Poder concedente, ora como responsável por fazer respeitar, pelos que exercem atividades privadas, as normas que as disciplinam.

Capítulo I

Definições

Não convém que a lei estabeleça definições. Isso cabe à doutrina. Mas, às vezes, a lei deve fazê-lo. É o que ocorre no caso. O Projeto de Lei em pauta inicia o Livro III definindo serviço de telecomunicações, telecomunicação e estação de telecomunicações (art. 57). Propicia, por um lado, excluir de sua regulação serviços que não estejam tipificados como tal, como ocorre com serviços de valor adicionado (art. 58) - mantendo conceito estabelecido pela Lei n.° 9.295/96 - e, por outro, restringe o alcance de suas normas às atividades que não estejam confinadas aos limites de uma mesma edificação, propriedade móvel ou imóvel.

É importante ressaltar o conceito de serviço de telecomunicações, não explícito na legislação até o momento, que, de certa forma, vincula sua definição à existência do seu consumidor, ao determinar, no art. 57, que "serviço de telecomunicações é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação". Isso porque só faz sentido haver oferta de um serviço se houver quem o consuma, isto é, alguém para quem o conjunto das atividades oferecidas (no caso, um serviço) adiciona valor a algo.

Esse conceito é importante porque, como será visto mais adiante, toda a legislação proposta, no que tange à regulação dos serviços, repousa sobre conceitos de ciência econômica.

Capítulo II

A classificação

Não descendo a minúcias, nem especificando as diversas modalidades de serviços de telecomunicações, o Projeto classifica-os em função da abrangência dos interesses a que atendem - serviços de interesse coletivo e serviços de interesse restrito (art. 59) - e quanto ao regime jurídico de sua prestação: serviços públicos e serviços privados (art. 60).

Na tecitura desta classificação, os serviços de interesse coletivo, caracterizados como serviços abertos a todos, são voltados precipuamente para a concreção dos objetivos e princípios fundamentais expostos no Livro I da Lei Orgânica, e, portanto, sujeitos a maiores condicionamentos legais e administrativos.

Já os de interesse particular, caracterizados como de livre exploração, sujeitam-se apenas aos condicionamentos necessários para evitar que sua exploração possa acarretar prejuízos ao interesse coletivo, devendo ser prestados sob o regime de direito privado (arts.59 e 64).

Sob essa ótica, os serviços de telecomunicações de interesse coletivo, cuja existência, universalização e continuidade a União comprometa-se a assegurar (art. 61) - nas formas e condições fixadas no plano geral de metas de universalização mencionado no art. 17 - devem, em princípio, comportar prestação no regime público, o que não exclui, em certas condições, sua prestação no regime privado. Por exemplo, o serviço telefônico fixo comutado, destinado ao uso do público em geral, inclui-se nessa categoria.

Como novidade dentro do direito positivo, admite o Projeto que, em qualquer região, área ou localidade, uma mesma modalidade de serviço possa ser prestada apenas no regime público, apenas no regime privado, ou em convivência dos dois regimes, público e privado, desde que o plano geral de outorgas assim tenha estabelecido, calcado em opções políticas devidamente justificadas, e essa situação não inviabilize ou torne injustificadamente mais onerosa para a sociedade a prestação do serviço no regime público (art. 62).

Os serviços a serem explorados no regime privado, em princípio, serão todos aqueles que não forem reservados expressamente para a exploração exclusivamente no regime público (art. 62), subordinada essa definição, entretanto, a decisão do Poder Executivo, conforme inciso I do art. 17.

O art. 63 estabelece que, quando um serviço estiver sendo, ao mesmo tempo, explorado em ambos os regimes, sejam adotadas medidas que não tornem economicamente inviável a sua prestação no regime público. No art. 64, o Projeto dispõe que serviços de telecomunicações de interesse restrito não sejam explorados no regime público, ou seja, eles necessariamente serão prestados no regime privado.

Veda ainda o Projeto a exploração direta ou indireta de uma mesma modalidade de serviço, nos regimes público e privado, por uma mesma pessoa, a não ser em regiões, localidades ou áreas distintas (art. 65).

Como visto anteriormente, o órgão regulador proporá ao Poder Executivo a instituição ou exclusão de uma modalidade de serviço de telecomunicações no regime público, com ou sem caráter de exclusividade, ou no regime privado, indicando as regiões, locais ou áreas a serem afetadas pela proposta (arts. 16 e 17).

Pretende-se com isso incrementar o desenvolvimento do setor e alcançar as metas fixadas de universalização dos serviços, respeitando as diferenças geográficas, sociais e econômicas existentes nas diversas regiões brasileiras. Tal proceder concretizará objetivos fundamentais da República do Brasil, como o desenvolvimento baseado na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, conforme os ditames da justiça social (art. 170 da Constituição Federal), que são também objetivos da reforma institucional do setor de telecomunicações.

Capítulo III

As regras comuns

Muito embora o Projeto não desça a detalhes de caracterização de cada modalidade de serviço, dá ele alguns atributos para tanto, a serem considerados pela Agência no trabalho a ela cometido, como a finalidade do serviço, o âmbito de sua prestação, a forma de telecomunicação (telefonia, telegrafia, comunicação de dados, transmissão de imagem, multimídia), o meio de transmissão e a tecnologia empregada (art. 66).

Coíbe o Projeto comportamentos prejudiciais à livre e justa competição, dentre os quais a prática de subsídios para redução artificial de preços e o uso e a omissão indevidos de informações técnicas e comerciais relevantes à prestação de serviços (art. 67).

Visando preservar a privacidade dos consumidores, o Projeto impõe limites à utilização, pelo prestador, de informações relativas ao uso individual do serviço (art. 68).

Cuida também o Projeto de ressaltar que os prestadores de serviços de telecomunicações não estão isentos do atendimento às normas de engenharia e às leis das diversas esferas de Governo, relativas à construção civil e à instalação de cabos e equipamentos, bem como à abertura de valas e escavação em logradouros públicos (art. 69).

Para estimular a indústria e a tecnologia nacionais, em linha com as razões apontadas no item 7 da parte II desta Exposição de Motivos, o Projeto propõe, no art. 71, que as empresas prestadoras de serviços de telecomunicação que investirem em projetos de pesquisa e desenvolvimento no Brasil, na área de telecomunicações, obterão incentivos, nas condições fixadas em lei. Tais incentivos deverão ser, portanto, objeto de diploma legal que trate especificamente da matéria. Adicionalmente, o art. 72 do Projeto estabelece que poderão ser estimulados o desenvolvimento e a fabricação, no País, de produtos de telecomunicações, mediante adoção de instrumentos de política fiscal e aduaneira.

TÍTULO II

OS SERVIÇOS PRESTADOS EM REGIME PÚBLICO

Capítulo I

Os deveres de universalização e de continuidade

O capítulo primeiro do Título II do Projeto, referente aos serviços de telecomunicações prestados em regime público, determina, no art. 73, que a regulamentação, a cargo da Agência, disciplinará os deveres de universalização e de continuidade atribuídos aos prestadores do serviço nesse regime. Deveres de universalização são conceituados como aqueles que objetivam possibilitar o acesso de qualquer pessoa aos serviços de telecomunicações, independentemente de sua localização geográfica ou condição sócio-econômica; deveres de continuidade são os que objetivam possibilitar aos usuários dos serviços sua fruição de forma ininterrupta, sem paralisações injustificadas, tendo-os permanentemente à sua disposição, em condições adequadas de uso.

O plano geral de metas de universalização, a ser elaborado pela Agência e aprovado pelo Poder Executivo, explicitará as metas com relação à disponibilidade de instalações de uso individual ou coletivo, ao atendimento aos portadores de deficiências físicas e ao atendimento a áreas rurais, regiões remotas ou a instituições de caráter público ou social, como escolas, centros de saúde e bibliotecas públicas (art. 74).

Esse plano deverá também detalhar as fontes de financiamento das obrigações de universalização dos serviços, que deverão ser neutras em relação aos prestadores concorrentes, em termos da competição entre eles no mercado nacional.

O Projeto deixa claro, no art. 75, o que significa financiar as obrigações de serviço universal: trata-se de suprir os recursos complementares para cobrir a parcela do custo atribuível exclusivamente ao cumprimento dos deveres de universalização do prestador de serviço de telecomunicações, que não possa ser recuperada com a exploração eficiente do serviço. Isto é, o que deve ser considerado não é a simples diferença entre receitas e despesas, mas a diferença entre as receitas e os custos que seriam admitidos com a exploração do serviço da maneira mais eficiente possibilitada pela tecnologia.

Para suprir esses recursos de forma neutra em relação à competição, conforme premissa determinada no art. 74, o Projeto estabelece duas alternativas possíveis, consistentes com o discutido no item 3 da parte II desta Exposição de Motivos: o orçamento fiscal da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e um fundo especialmente constituído para essa finalidade, para o qual contribuiriam todos os prestadores de serviços, nos regimes público e privado.

A primeira alternativa tem a grande vantagem de ser completamente neutra em relação a todos os prestadores de serviço, mas tem a desvantagem óbvia de submeter o setor de telecomunicações à competição com outros segmentos de indiscutível maior prioridade do ponto de vista social, como os da educação, saúde e segurança. Ela tem, entretanto, o mérito de explicitar, aos Estados e Municípios, a possibilidade de destinarem recursos ao setor de telecomunicações, utilizando isso como fator de diferenciação na atração de investimentos, em vez da "guerra fiscal" observada recentemente.

Já a segunda alternativa - a criação de um fundo específico - pressupõe a edição de nova lei, conforme previsto no Projeto. Essa lei determinaria a proporção da contribuição dos prestadores de serviço nos regimes público e privado.

Essas duas alternativas são, como já visto, as que permitem a distribuição, de forma eqüitativa, do ônus de financiamento do serviço universal a todos os prestadores de serviço, ou a toda a sociedade. Em razão, entretanto, da dificuldade de sua implementação imediata, o Projeto estipula que, enquanto não for constituído o fundo específico, possam ser adotadas, transitoriamente, duas outras fontes: a instituição de subsídio entre modalidades de serviços ou entre grupos de usuários de telecomunicações, ou o pagamento de adicional ao valor de interconexão.

Portanto, muito embora o princípio da livre concorrência seja incompatível com a prática de subsídio entre serviços de telecomunicação ou entre segmentos de usuários (por exemplo, rurais e urbanos), tal prática poderá ser autorizada pela regulamentação, desde que necessária à viabilização do cumprimento dos deveres de universalização e seja instituída por ato motivado, em que se explicitem sua natureza, os recursos envolvidos, e os serviços ou segmentos onerados e beneficiados.

Adicionalmente, o prestador de serviço sujeito a deveres de universalização poderá ser beneficiado com o pagamento, em seu favor, pelos outros operadores, de tarifas de interconexão mais elevadas, na forma que dispuser a regulamentação.

Capítulo II

A Concessão

Seção I - A outorga

Para que um serviço de telecomunicação seja explorado no regime público há de haver outorga prévia do Poder Público, consubstanciada em um contrato de concessão, despossuída esta, obrigatoriamente, do caráter de exclusividade (arts. 77 e 78). O contrato, por prazo determinado, sujeitará o concessionário aos riscos empresariais e estipulará que sua remuneração se dará através da cobrança de tarifas dos usuários e de outras receitas alternativas; responderá ele diretamente pelas obrigações do negócio e pelos prejuízos que eventualmente venha a causar.

O órgão regulador deverá, como já mencionado anteriormente, elaborar um plano geral de outorgas, submetendo-o à aprovação do Poder Executivo, definindo, com fulcro no binômio maior benefício ao usuário e justa remuneração do encarregado do serviço, a divisão do País em áreas, com os respectivos números de prestadores, seus prazos de vigência e as oportunidades em que as mesmas deverão ser atribuídas, e evitando o vencimento concomitante das concessões de uma mesma área.

Tratando-se de uma relação trilateral - entre concedente, concessionário e usuário - exigente de determinação precisa dos direitos e deveres de todas as partes, bem como de fiscalização eficaz, cada modalidade de serviço deverá ser objeto de outorga distinta (art. 79), atribuída a empresa constituída segundo as leis brasileiras, com sede e administração no País. Essas características deverão estar presentes por ocasião da celebração do contrato, não impedindo a participação, na licitação prévia, de empresas que ainda não as tenham, o que amplia o rol de empresas potencialmente interessadas na licitação, propiciando maior competitividade ao processo, em busca da melhor proposta (art. 80).

Poderá a regulamentação impor proibições, limites ou condições à outorga de concessões a empresas ou grupos empresariais que já explorem serviço de telecomunicações em qualquer dos regimes de direito, objetivando, com isso, estimular a competição efetiva e evitar concentração econômica no mercado (art. 81).

Para uma empresa receber outorga de concessão de serviço público, mesmo operando modalidade de serviço semelhante, no regime privado, na mesma região, área ou localidade, deverá assumir o compromisso de transferir a outrem, no prazo máximo de dezoito meses, o serviço explorado sob este último regime, sob pena de caducidade da concessão e de outras sanções previstas no processo de outorga.

Esse preceito objetiva também ampliar o leque de eventuais interessados na licitação para outorga da concessão.

O art. 82 do Projeto dispõe que as outorgas serão sempre onerosas, podendo o pagamento ser feito através de uma quantia fixa, à vista ou em parcelas, ou através de um percentual sobre o faturamento, conforme dispuser a Agência. No caso de quantia fixa, esta poderá ser predeterminada no edital de licitação ou resultante da proposta vencedora, caso esse tenha sido um dos critérios de julgamento da licitação.

Para o processo de outorga de concessões, o Projeto cria a modalidade de licitação denominada "convocação geral" (art. 83), a ser disciplinada pela Agência, com observância dos princípios constitucionais e legais, expressando sua finalidade, seus objetivos, seu procedimento singular, seus critérios e fatores objetivos de aceitação da proposta e de julgamento, seus requisitos de habilitação (qualificação técnico-operacional ou profissional e econômico-financeira), sempre tendo como escopo assegurar a maior divulgação possível do instrumento convocatório e de todos os atos do procedimento, permitindo, assim, a ampla participação de licitantes capacitados, com admissão de consórcios (art. 84).

O instrumento convocatório, cuja minuta será submetida a consulta pública prévia, deverá identificar o serviço objeto do certame e as condições de sua prestação, expansão e universalização, fixando as cláusulas do contrato de concessão com as sanções aplicáveis, possibilitando a escolha de quem possa executar e expandir o serviço no regime público com eficiência e segurança e a tarifas razoáveis.

Tendo em vista a natureza peculiar do serviço de telecomunicações, estabelece o Projeto diversos fatores de julgamento do certame, na modalidade de técnica e preço - menor tarifa, maior oferta pela outorga, melhor qualidade dos serviços, melhor atendimento da demanda - que poderão ser adotados isolada ou conjugadamente, respeitado o princípio da objetividade.

Além de indicar a vedação genérica de participar de licitação ou receber outorga de concessão a empresa proibida de licitar ou contratar com o Poder Público, o Projeto acrescenta como vedação específica ter a empresa sido punida, nos dois anos anteriores à licitação, com a decretação da caducidade de concessão, permissão ou autorização de serviço de telecomunicação, ou da caducidade do direito de uso de radiofreqüência (art. 85).

Ainda sobre o tema da licitação, dispõe o Projeto, no art. 86, sobre as hipóteses de sua inexigibilidade, quer por desnecessária (nas hipóteses de não haver limitação à quantidade de outorgas possíveis), quer por inviável (inexistência de mais de um licitante).

O procedimento administrativo de declaração da inexigibilidade de licitação deverá obedecer princípios básicos que regem o procedimento licitatório, bem como no seu âmbito deverão ser verificadas todas as condições relativas à qualificação da empresa a ser contratada, tendo em vista assegurar o cumprimento das futuras obrigações (art. 87).

Seção II - O Contrato

Traz o Projeto, no art. 88, as cláusulas necessárias do contrato de concessão, como a da indicação do objeto, área e prazo da concessão; as regras, critérios, indicadores, fórmulas e parâmetros definidores da implantação, expansão, alteração, modernização e qualidade do serviço; os deveres de universalização e continuidade do serviço; o valor, forma e condições de pagamento da outorga; os critérios e procedimentos para fixação, reajuste e revisão das tarifas; os direitos, garantias e obrigações dos usuários, da Agência e dos concessionários; os bens reversíveis, se houver; as condições gerais para interconexão, etc.

Em se tratando de serviço de interesse coletivo, cuja existência e continuidade a própria União se comprometa a assegurar, os bens que a ele estejam aplicados poderão (e não deverão) ser revertidos ao Poder concedente, para permitir a continuidade do serviço público. Mas nem sempre o princípio da continuidade do serviço público supõe a reversão dos bens que lhe estejam afetados. Quando os bens do concessionário não forem essenciais à sua prestação, quer por obsolescência tecnológica, quer pelo esgotamento de sua própria vida útil, a reversão não deverá ocorrer, não precisando, os bens, ser reintegrados ao patrimônio do poder concedente, ao término da concessão . A não ser, é claro , que por motivos devidamente justificados, reclame o interesse público tal reversão. Daí a facultatividade do instituto, que o Projeto agasalhou, ao deixar que o contrato defina quais são esses bens, visando evitar ônus financeiro desnecessário para o concedente.

O Projeto (art. 90) autoriza o concessionário, no cumprimento de seus deveres, a empregar equipamentos que não lhe pertençam, a terceirizar atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, a consorciar-se com terceiros (sem caracterizar subconcessão), continuando sempre responsável, perante a Agência e os usuários, pela prestação dos serviços.

Assegura-lhe também prazos razoáveis para adaptação às novas obrigações que lhe sejam impostas em regulamentos posteriores (art. 91), dando ao contratado a segurança jurídica para planejar a exploração do serviço concedido e os necessários investimentos.

Entre as obrigações do concessionário, previstas no art. 92 do Projeto, consta a de manter registros contábeis separados por serviço, caso explore outra modalidade de serviço de telecomunicações. Adicionalmente, o concessionário deverá submeter à Agência, previamente, as minutas de contrato-padrão que pretender celebrar com seus clientes e dos acordos operacionais que pretender firmar com operadores estrangeiros. Deverá, também, comprometer-se a divulgar a relação de seus assinantes, observadas as garantias de privacidade dos usuários.

O Projeto permite a autorização, pela Agência, da transferência direta ou indireta do contrato de concessão, estabelecendo, todavia, rígidos requisitos para a sua realização, dentre os quais a de que o contrato esteja vigorando há mais de cinco anos, que o serviço esteja em operação há pelo menos três anos e que o cessionário preencha os mesmos requisitos que lhe seriam exigidos numa licitação para obter a mesma concessão. Entretanto, a medida somente será aprovada se não provocar prejuízos à competição e não colocar em risco a execução do contrato (arts. 93 e 94).

Cuidou também o Projeto (art. 95) de limitar o prazo máximo de concessão em 20 (vinte) anos, e da renovação (igual período), restrita a uma única vez, estabelecendo, em seqüência, as hipóteses objetivas de denegação do pedido de renovação e o procedimento e prazos para o seu deferimento, entre os quais se inclui o pagamento pelo direito de exploração do serviço.

Seção III - Os bens

Nesta seção (arts. 96, 97 e 98), trata o Projeto dos institutos da desapropriação, servidão e reversão de bens, como mecanismos jurídicos de que a Agência pode lançar mão para assegurar a continuidade da prestação dos serviços. No caso da desapropriação ou da instituição de servidão, caberá ao concessionário implementar a medida e pagar as indenizações e demais despesas envolvidas.

Seção IV - As tarifas

Dando competência à Agência para determinar os itens tarifários aplicáveis a cada modalidade de serviço, o Projeto (art. 99) estabelece as regras para a fixação das tarifas máximas ou para sua submissão ao regime de liberdade vigiada, conforme o caso, sem descuidar da vinculação ao instrumento contratual e da proteção aos interesses do usuário.

Na prática, ao atribuir ao órgão regulador a responsabilidade sobre a fixação, reajuste, revisão e acompanhamento de tarifas dos serviços prestados no regime público, o Projeto dá à Agência a condição fundamental para defender a competição - privilegiando, por um lado, os interesses dos usuários, que não estarão submetidos a tarifas injustas e, por outro lado, impedindo o abuso do poder econômico pelo operador dominante, que tenderia a dificultar o ingresso e o desenvolvimento de novos prestadores do serviço - e para criar um ambiente atrativo para o investimento de capitais privados - ao assegurar a normalidade regulatória e o respeito aos compromissos contratuais assumidos com os concessionários.

Como visto no item 4 da parte II desta Exposição de Motivos (aspectos econômicos fundamentais), a adequação das tarifas aos custos dos serviços, associada à existência de demanda, é um tema crucial na consolidação de um ambiente dinâmico e competitivo para o setor. Sem que essa questão microeconômica esteja adequadamente resolvida não haverá condições para se dispor dos dois pilares de sustentação do novo modelo preconizado para as telecomunicações brasileiras: a competição e a universalização do acesso. Em outras palavras, se a questão econômica não estiver satisfatoriamente respondida, não haverá regulamentação capaz de conduzir a reforma setorial para a direção pretendida.

Essa conclusão pode ser reforçada por um exemplo tirado da própria história do setor no Brasil. Como visto no item 3 da parte I desta Exposição de Motivos, foi o tratamento tarifário inadequado uma das principais razões do não desenvolvimento satisfatório dos serviços de telecomunicações no Brasil, por não estimular os investimentos privados, na década de 1960, ou mesmo estatais, mais recentemente.

O Projeto prevê, portanto, a fixação das tarifas no contrato de concessão (art. 99), a vedação aos subsídios cruzados entre serviços e entre grupos de usuários e a fixação, nos contratos, dos mecanismos para reajuste e revisão das tarifas (art. 104). Ele é inovador, também, em quatro pontos específicos:

i) ao admitir expressamente que o concessionário possa cobrar tarifa inferior à fixada, desde que com base em critério objetivo e beneficiando indistintamente todos os usuários, vedado o abuso do poder econômico (art. 102);

ii) ao admitir, também expressamente, a prática de descontos tarifários, desde que extensíveis a todos os usuários que se enquadrem em condições estabelecidas de modo preciso e isonômico (art. 103);

iii) ao determinar o compartilhamento com os usuários dos ganhos econômicos decorrentes da modernização, da expansão dos serviços ou da conquista, pelo operador, de novas receitas alternativas, e a transferência integral aos usuários dos ganhos econômicos não decorrentes diretamente da eficiência empresarial do prestador, como aqueles originários de reduções de tributos ou de encargos legais, ou ainda de mudanças na regulamentação dos serviços (art. 104); e, principalmente,

iv) ao possibilitar a mudança para o regime de liberdade vigiada, após decorridos cinco anos da vigência do contrato, desde que exista efetiva competição entre os prestadores do serviço, a juízo da Agência (art. 100).

Neste último caso, o concessionário poderá determinar suas próprias tarifas, comunicando-as ao órgão regulador com sete dias de antecedência de sua entrada em vigor. Caso a Agência detete um aumento arbitrário nos lucros do concessionário, ou outras práticas suas prejudiciais à concorrência, poderá determinar um retorno ao regime tarifário anterior, ou seja, o de controle de preços.

Seção V - A intervenção

As hipóteses de intervenção na empresa concessionária são elencadas no art. 106. Entre elas, incluem-se a paralisação injustificada dos serviços, sua inadequação ou insuficiência, o desequilíbrio econômico-financeiro resultante de má administração, que coloque em risco a continuidade dos serviços, a inobservância reiterada de atendimento a metas de universalização e a recusa injustificada de interconexão.

Os procedimentos administrativos para decretação da intervenção assegurarão sempre a ampla defesa do concessionário (art. 107). A intervenção poderá ser exercida por um colegiado ou por uma empresa contratada para esse fim, e seu custo correrá por conta do concessionário.

Seção VI - A extinção

Quanto à extinção da concessão o Projeto segue a linha adotada pela Lei n.° 8.987/95, acrescentando, apenas, algumas condições mais rígidas.

Nesse sentido, vincula a encampação a "razão extraordinária de interesse público" (art. 109) e amplia as hipóteses de caducidade para incluir a situação em que a intervenção seria o instrumento apropriado, mas sua decretação for inconveniente, inócua, injustamente benéfica ou desnecessária (art. 110).

Permite, por outro lado, além da rescisão judicial, a rescisão amigável, não prevista expressamente pela Lei n. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995 (art. 111).

Capítulo III

A Permissão

Seguindo a doutrina escorreita, o Projeto ora apresentado a Vossa Excelência dá ao instituto da permissão os seus devidos contornos. Define permissão como ato administrativo, e não como contrato, pelo qual se atribui a alguém o dever de prestar serviço de telecomunicação no regime público (portanto serviço de interesse coletivo) e em caráter transitório, em face de situação excepcional comprometedora do funcionamento do serviço, e até sua normalização (art. 114).

A situação excepcional, em face da qual a permissão pode ser outorgada, é, repita-se, aquela comprometedora do funcionamento do serviço, e que, em virtude de suas peculiaridades, não possa ser atendida de forma conveniente ou em prazo adequado, mediante intervenção na empresa concessionária ou outorga de nova de concessão.

O Projeto dá os traços caracterizadores do instituto, prescrevendo que a outorga seja precedida de procedimento licitatório simplificado, nos termos regulados pela Agência, ressalvados os casos de inexigibilidade (art. 115). Sua formalização reclama assinatura de termo que conterá, dentre outras especificações, o prazo máximo de vigência estimado, sanções, direitos e deveres do permissionário, as tarifas, os direitos, garantias e obrigações dos usuários, as condições gerais de interconexão, os bens reversíveis, se houver, e as hipóteses de extinção, tudo conforme o que constar da regulamentação (art. 116 a 121).

TÍTULO III

OS SERVIÇOS PRESTADOS NO REGIME PRIVADO

Capítulo I

O regime geral da exploração

Com fulcro nos princípios gerais da atividade econômica (art. 170 da Constituição), em especial o da livre concorrência e o da defesa do consumidor-usuário, foram estabelecidas as diretrizes norteadoras da atividade de exploração dos serviços de telecomunicação no regime privado (art. 122).

Dentre elas cabe sublinhar a da garantia da diversidade dos serviços, do incremento de sua oferta e de sua qualidade, a do respeito aos direitos dos usuários, a da convivência entre as várias modalidades de serviço e a preferência a ser observada em favor dos prestados sob regime público, a do cumprimento da função social do serviço de interesse coletivo e a do desenvolvimento tecnológico e industrial do setor (art. 123).

Sob esse enfoque, o Projeto impõe limites à regulamentação, determinando que esta deverá observar a exigência de mínima intervenção estatal na vida privada.

Em virtude disso, o regime disposto é o da liberdade do mercado, constituindo exceção as proibições, restrições e condicionamentos administrativos, que para sua validade devem estar vinculados a finalidades públicas específicas e relevantes, sempre tendo em mira preservar o conteúdo essencial mínimo dos direitos dos operadores do serviço de telecomunicação explorado sob regime privado (art. 124). Muito embora desprovidos de direito adquirido à permanência das condições vigentes quando do início das atividades, as normas deverão conceder aos operadores prazos suficientes para adaptações aos novos condicionamentos (art. 126).

O preço dos serviços privados será livre, reprimindo-se apenas a prática prejudicial à competição bem como o abuso do poder econômico (art. 125).

Capítulo II

A autorização de serviço de telecomunicações

Seção I - A obtenção

Há atividades de interesse particular (comumente denominadas "privadas") que, ainda que entregues à livre iniciativa, dependem de prévia autorização do poder público . É a lei que indicará esses casos, como se depreende do preceito inserto no artigo 170, parágrafo único da Constituição da República: "é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei".

Assim, por força da lei (aqui surgindo como Projeto), serão estabelecidas as linhas que definirão quais os serviços de telecomunicação - dentre os que não expressamente indicados como "serviços públicos" e, portanto, residualmente, colocados na órbita da atividade econômica desempenhada pelo particular - que necessitarão de prévia autorização administrativa, destinada a assegurar prestação compatível com o interesse coletivo.

A atividade ordenadora do Estado, nas mãos do órgão regulador, não eliminará o necessário espaço de liberdade individual, eis que todos os condicionamentos que imporá, fundados na lei, terão estreita vinculação com uma finalidade pública real, concreta e poderosa.

Assim, para a exploração dos serviços de telecomunicação no regime privado, deverá o interessado obter prévia autorização do Estado, dispensada esta nos casos definidos pela Agência (art. 127).

Tem a autorização natureza de ato administrativo vinculado, facultando a exploração, no regime privado, de modalidade de serviço de telecomunicação (de interesse coletivo ou particular) quando preenchidas as condições objetivas e subjetivas necessárias.

A condições objetivas, no Projeto (art. 128), para que o interesado obtenha a autorização, são restritas a duas:

a) disponibilidade de radiofreqüência adequada, se necessária para executar o serviço; e

b) apresentação de projeto viável tecnicamente e compatível com as normas aplicáveis.

Para obtenção de autorização de serviço de interesse coletivo, executado sob o regime privado, o Projeto (art. 129) dispõe expressamente sobre as condições subjetivas necessárias, dentre as quais avultam as de ser empresa brasileira, de possuir qualificação técnica para bem prestar o serviço e de não prestar, na mesma região, localidade ou área, a mesma modalidade de serviço, quer no regime público, quer no regime privado.

Já no que diz respeito aos serviços de interesse restrito, será a Agência que irá dispor sobre as condições subjetivas para obtenção de autorização, que se farão necessárias apenas e tão somente para evitar que a livre exploração dos serviços acarrete prejuízos ao interesse coletivo (art. 130).

Como a disciplina dos serviços de interesse coletivo deve assegurar a realização dos objetivos maiores consignados na Lei Geral e o respeito aos direitos dos usuários e operadores, o Projeto permite que a Agência, em casos excepcionais, condicione a autorização à aceitação, pelo interessado, de compromissos de interesse da coletividade, tais como a ampliação da cobertura, o atendimento de demandas sociais ou a contribuição, inclusive financeira, à universalização dos serviços, que, se descumpridos, ensejarão sanções de multa, suspensão ou caducidade da autorização (arts. 131 e 133).

Assim, ainda que o serviço venha a ser executado sob regime privado, por se tratar de serviço de abrangência coletiva estará ele também sob controle e fiscalização do órgão regulador, que deverá cuidar do interesse público, observados os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e igualdade.

Muito embora a liberdade seja a tônica na prestação do serviço sob regime privado, nos casos em que o excesso de competidores comprometa de modo grave uma modalidade de serviço de interesse coletivo, ou em caso de impossibilidade técnica, permite o Projeto a fixação de um limite temporário no número de operadores, escolhidos em procedimento licitatório, na modalidade utilizada para a escolha do concessionário, que é a convocação geral (art. 132).

Dos autorizados assim escolhidos será exigida uma contrapartida (expansão do serviço ou de empregos, pagamento em dinheiro etc.) proporcional à vantagem econômica que terão pela limitação da concorrência. Entre essas contrapartidas poderá estar, também, a participação no financiamento às obrigações de serviço universal.
 

Seção II - A extinção

Como a autorização de serviço não está sujeita a termo final, sua extinção poderá ocorrer por cassação, decaimento e renúncia, além da caducidade e anulação (art. 134). As duas últimas formas de extinção não diferem substancialmente das já assinaladas quanto aos institutos da concessão e da permissão (art. 136 e 139).

Cassação e decaimento constituem também espécies de retirada da autorização de serviço. A primeira, em virtude da perda das condições subjetivas ou objetivas indispensáveis à sua expedição ou manutenção, como no caso da extinção da autorização de uso da radiofreqüência respectiva (art. 135); a segunda, por força de razões de excepcional relevância pública que venham modificar as normas, proibindo o tipo de atividade objeto da autorização, ou suprimindo a exploração no regime privado, e desde que a preservação das autorizações já expedidas seja efetivamente incompatível com o interesse público (art. 137). Ainda assim, decretado o decaimento, por ato administrativo da Agência, terá o autorizatário direito de manter suas atividades regulares por um período mínimo de cinco anos, salvo desapropriação.

Os demais artigos desta seção tratam simplesmente de aspectos administrativos associados aos atos de extinção da autorização.

TÍTULO IV

AS REDES DE TELECOMUNICAÇÕES

Trata este Título das redes de telecomunicação destinadas a dar suporte à prestação, no regime público ou privado, dos serviços de interesse coletivo em geral (art. 141), organizando-as como vias integradas de livre circulação, dispondo sobre sua implantação e funcionamento, a obrigatoriedade e condições de interconexão e de interoperabilidade, os planos de numeração e sua gerência, suas utilizações primária e secundária, tudo visando à harmonização e compatibilização dos projetos dos diversos operadores, em âmbito nacional e internacional (art. 142 a 150).

O Projeto prescreve que o direito de propriedade sobre as redes é condicionado pelo dever de cumprimento de sua função social, em consonância com princípio inserido na própria Constituição da República. Objetivando assegurar o cumprimento de sua função social, e a harmonia e compatibilidade dos projetos de diferentes prestadoras de serviços, como já assinalado, a implantação e funcionamento das redes obedecerão a planos fundamentais editados pela Agência.

O provimento da interconexão das redes será realizado em termos não discriminatórios e de modo a não onerar desnecessariamente o solicitante. As condições serão objeto de livre negociação entre os interessados, observadas as regras que a Agência fixar. Isso significa que os operadores deverão prover, a seus clientes (em termos de capacidade de rede), acesso exatamente às partes da rede que eles desejarem, de forma a reduzir ao mínimo as necessidades de construção de infra-estruturas paralelas.
 
 

TÍTULO V

O ESPECTRO E A ÓRBITA

Capítulo I

O espectro de radiofreqüências

Considerado bem público, o espectro de radiofreqüências será administrado pela Agência (art. 152).

A Agência manterá um plano com a atribuição, distribuição e destinação de faixas de radiofreqüências, observados os tratados e acordos internacionais, com o detalhamento necessário ao emprego individual das radiofreqüências associadas aos diversos serviços e atividades de telecomunicação, de modo a atender tanto a suas necessidades atuais como as futuras (art. 153).

Esse plano preverá a destinação de faixas de radiofreqüências para fins militares, para serviços públicos e privados de telecomunicações, para serviços de radiodifusão, para serviços de emergência e de segurança pública, além de para outras aplicações de telecomunicações, de modo que a administração de todo o espectro de radiofreqüências fique integralmente confiada à Agência.

Nessa atividade, a Agência deverá sempre buscar o uso eficiente e racional do espectro (art. 154), podendo para tanto restringir o emprego de determinadas radiofreqüências, considerado o interesse público (art. 155).

A destinação de radiofreqüências ou faixas poderá, a qualquer tempo, ser modificada, assim como poderão ser alteradas características técnicas dos sistemas, desde que o interesse público ou o cumprimento de convenções ou tratados internacionais o determine, assegurado prazo razoável para a efetivação das mudanças (art. 156).

Estabelece ainda o Projeto que a operação de qualquer estação transmissora de radiocomunicação estará sujeita a licença prévia de funcionamento e a fiscalização permanente (art. 157).

Capítulo II

A autorização de uso de radiofreqüências

O Projeto (art. 158) trata também das autorizações de uso de radiofreqüência, expedidas com ou sem caráter de exclusividade e dependentes de outorga prévia (autorização) e da manutenção do direito à execução do respectivo serviço de telecomunicações (concessão, permissão ou autorização).

Essas autorizações, como atos administrativos vinculados, poderão ser outorgadas com ou sem licitação, de forma gratuita ou onerosa (art. 159 e 160). As regras básicas para licitação e acerca da inexigibilidade são as mesmas estabelecidas para a disputa por concessão de serviço público.

O projeto estabelece limites à transferência do direito de uso de radiofreqüências, nos mesmos moldes criados para a transferência outorga para prestação de serviço (art. 164).

O prazo para a autorização de uso de radiofreqüência é vinculado à manutenção do direito de prestar o serviço de telecomunicação correspondente. No caso de serviço prestado sob autorização, em que o prazo for indeterminado, o prazo para uso da radiofreqüência será de no máximo vinte anos, prorrogável por uma única vez, por igual período (arts. 162 e 163).

Dispõe ainda o Projeto, no que concerne ao uso de radiofreqüência, a respeito dos casos de extinção da autorização: advento de seu termo final, cassação, caducidade, renúncia e anulação (art. 165).

Capítulo III

A órbita e os satélites

O Projeto atribui à Agência competência para dispor sobre os requisitos e critérios específicos referentes à execução, via satélite, de qualquer serviço de telecomunicação, independentemente de o acesso a ele ocorrer ou não a partir do território nacional (art. 166).

O art. 167 determina que, na execução de serviço de telecomunicações via satélite, seja dada preferência ao emprego de satélite brasileiro - que é o que utiliza recursos de órbita e de espectro radioelétrico notificados pelo País e cuja estação de controle e monitoração deve necessariamente instalar-se no território brasileiro - desde que este propicie condições técnicas e comerciais equivalentes a dos satélites de outros países.

A exploração de satélite brasileiro deverá ser realizada sob o regime público ou privado, conforme decisão do Poder Executivo, sempre dependente de aprovação prévia, abrangente dos direitos de ocupação de órbita e de uso das respectivas radiofreqüências, e que será efetivada mediante procedimento administrativo em que será expedido primeiramente um ato provisório, para possibilitar as necessárias notificação e coordenação internacionais, a ser feitas por meio da UIT - União Internacional de Telecomunicações (art.168).

O direito de exploração será sempre conferido a título oneroso e vigorará enquanto vigir a autorização para prestação do serviço via satélite, a não ser que extinto por cassação, caducidade, renúncia ou anulação.

TÍTULO VI

AS SANÇÕES

Capítulo I

As sanções administrativas

Sob este título o Projeto (art. 169) elenca as espécies de sanções a que estão sujeitos os que infringirem suas disposições, demais normas aplicáveis, ou que inobservarem deveres decorrentes de concessão, permissão e autorização, sem prejuízo das de natureza civil e penal. São elas: advertência, multa, suspensão temporária, caducidade, e declaração de inidoneidade.

O Projeto disciplina também, nos arts. 170 a 180, a imposição das sanções, delineando o perfil de cada uma delas. Com relação à multa, que pode ser imposta isoladamente ou em conjunto com outra sanção, o Projeto delimita-a entre R$ 1.500,00 e R$ 50.000.000,00.

Capítulo II

As sanções penais

O Projeto considera clandestinas - e portanto sujeitas a sanções penais - as atividades de telecomunicações desenvolvidas sem a prévia outorga de concessão, permissão ou autorização de serviço, ou de autorização de uso de radiofreqüência. Para esses casos, o Projeto impõe a pena de dois a quatro anos de detenção, aumentada da metade se houver dano a terceiros, e multa de R$ 10.000,00 (art. 181), estendendo-a a quem, direta ou indiretamente, concorrer para o crime.

Estabelece também o Projeto que o crime nele tipificado é de ação penal pública, incondicionada, cuja promoção é de responsabilidade do Ministério Público (art. 183). Os demais pontos não abordados no Projeto são os tratados na Lei n. 4.117/62.

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Já nas primeiras páginas da Bíblia, no Velho Testamento, encontramos esta lição admirável de que no primeiro julgamento que se realizou na Terra, ao réu foi garantido o direito de defesa: Deus não condenou Adão sem ouvi-lo. Pois que a defesa não é um privilégio. Tampouco uma conquista da humanidade. É um verdadeiro direito originário, contemporâneo do homem, e por isso inalienável.

 

 


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